Segundo MP, agente forjou denúncia contra delegado no motel e jornalismo do SBT engoliu

Uma aula de como não fazer jornalismo investigativo

A Justiça Estadual aceitou denúncia oferecida pela Promotoria de Investigação Criminal da Comarca de Natal contra quatro acusados de terem forjado uma denúncia contra o delegado Odilon Teodósio dos Santos Filho. A denúncia forjada foi ao ar em uma matéria exibida pelo programa SBT Brasil em 21 de janeiro de 2014.

Os agentes de polícia civil Iriano Serafim Feitosa e Ranulfo Alves de Melo Filho, Layane de Assis Felício e o cinegrafista Francisco de Assis Souza da Silva se tornaram réus.

A investigação do Ministério Público comprovou que o suposto flagrante contra o delegado Odilon, que teria sido filmado jantando e indo a um motel em uma viatura da polícia acompanhado por Layane, à época menor de idade, não passou de uma armação articulada pelo agente de polícia civil Iriano Feitosa.

A armação

A reportagem do SBT abordou a situação caótica da polícia civil do Estado do Rio Grande do Norte e trouxe uma denúncia gravíssima: o Delegado Odilon Teodósio dos Santos Filho estava “fazendo uso indevido (para fins pessoais) de viaturas policiais”.

As imagens monstravam Odilon utilizando a viatura da polícia civil descaracterizada, no período da noite, para ir a um restaurante com uma adolescente e, em seguida, ao Motel L'Amore, na Praia do Meio.

Dizia a reportagem: “... e de viatura entram num motel. O delegado pega a chave da quarto, a funcionária não exige o documento do casal e o policial com a viatura paga com o dinheiro público vai entrando no motel para se divertir, a tarefa de fechar a porta é da adolescente.”

As imagens exibidas causaram indignação, primeiro por se tratar de uma adolescente sendo levada a um motel por um delegado de polícia, mas também pela utilização de um bem público para interesses particulares e escusos.

As investigações, no entanto, demonstraram que tudo não passou de uma armação.

Layane, a adolescente que supostamente foi ao motel com o delegado, se apresentou voluntariamente para prestar depoimento ao Ministério Público apenas dois dias após a exibição da reportagem. No depoimento, ela afirmou que a reportagem transmitida pelo SBT era inteiramente verdadeira e que, de fato, teve um “affair” com o delegado. Disse “inexistir qualquer tipo de montagem, tendo ido com o delegado Odilon para o motel L’Amore, após o jantar no restaurante Tábua de Carne”.

Layane afirmou ainda que conhecia o agente de polícia civil Iriano Feitosa há algum tempo, mas não manteve contato telefônico com ele antes da exibição da reportagem na tevê. Iriano telefonou para o celular de Layane antes que se iniciasse seu depoimento pedindo para falar com um dos promotores.

Foi a partir daí que a armação começou a ser desvendada. Ao ter acesso aos dados telefônicos do telefone pertencente a Layane, foram constatadas sessenta e uma ligações entre ela e Iriano entre 06 de novembro de 2013 e 30 de janeiro de 2014, sendo que cinquenta e seis ligações foram efetuadas antes da exibição da reportagem do SBT (21/01/2014), desmentindo o que dissera a jovem.

Já o delegado Odilon afirmou que havia se encontrado com a então adolescente no restaurante no curso de uma investigação de tráfico de drogas e forneceu o extrato da fatura do seu cartão de crédito informando que estivera no restaurante em 12 de novembro de 2013, negando veementemente que tenha ido ao motel após o jantar. O pagamento da conta no restaurante se deu às 20h09. O registro do restaurante também informou que a conta fora pedida às 20h07.

O MP constatou, no Motel, que a filmagem da viatura policial pela equipe do SBT se deu diante do quarto 105. O motel informou que não possuía o controle das placas dos veículos, mas anotava se o cliente ingressou no estabelecimento de carro ou de moto, tendo sido verificado que, na noite do dia 12 de novembro, somente adentrou a garagem do quarto 105 uma motocicleta no período entre 18h41 e 20h31.

Além disso, as informações fornecidas pela empresa de telefonia demonstraram que Layane recebera um telefonema do agente Iriano às 20h34 daquela noite, horário em que, supostamente, estaria no motel com o delegado - com a conta paga no restaurante às 20h09, Layane informou em depoimento que teria ficado cerca de 40 minutos no motel com o delegado. No momento do telefonema, a jovem estava em um endereço no bairro do Potengi, na zona norte de Natal, distante do motel na Praia do Meio.

Não resta dúvida, para o Ministério Público, que toda a ação foi tramada em conluio entre a jovem Layane e o agente de polícia civil Iriano Feitosa.

A investigação também constatou que Iriano agiu, todo tempo, respaldado por ordens de serviço emitidas pelo agente de policia civil Ranulfo Alves Filho, chefe do setor de transporte de policia. Acontece que a prerrogativa para emissão dessas ordens cabe à autoridade policial representada pelo delegado de polícia, configurando, portanto a ação do agente Ranulfo como flagrante ilegalidade.

Além deles, o Ministério Público denunciou o cinegrafista da TV Ponta Negra, Francisco de Assis Souza da Silva, pela participação no esquema a partir do registro das imagens em vídeo que, posteriormente, foram utilizadas na reportagem do SBT.



De resto, a equipe do SBT nos deu uma lição de como não fazer jornalismo investigativo, tornando pública uma reportagem que, em vez de uma grave denúncia, era uma séria farsa.

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