Época: O pesquisador que desafiou o mais renomado cientista brasileiro

Abaixo transcrevo texto da revista Época desta semana sobre o imbróglio neurocientífico de Natal.  Quem se der o trabalho de ler as matérias públicas pela imprensa local perceberá que há certa parcialidade na leitura que fez a revista - inclusive porque não ouviu Nicolelis.  Não se distorcem fatos, mas não se explicam todos os fatos.  
Aliás, apesar de todos estarem cansando de darem razão a Sidarta - que pesquisa maconha há alguns anos - , ninguém o questionou porque ele disse a inverdade de ter levado R$ 6 milhões de equipamentos que não estavam sendo utilizados à Folha de São Paulo?  A própria Folha publicou o desmentido por parte de Nicolelis - que esclareceu que os equipamentos custaram pouco mais de R$ 232 mil e que eram da UFRN.  Publiquei aqui a planilha dos equipamentos.  Esse assunto morreu na mídia porque, evidentemente, o tema não está sendo explorado por questões éticas ou científicas - é a política mesmo.
Sobre equipamentos, Nicolelis disse mais.  Disse que no IINN ficaram equipamentos mais sofisticados do que os que foram para o UFRN - a não ser no caso daqueles que se referiam a pesquisas que não estão no escopo do Instituto.
Ninguém ainda perguntou a Sidarta e seus companheiros o que eles fizeram com os mais de R$ 4 milhões de reais receberam ao todo para fazerem suas pesquisas: que resultados acadêmicos e científicos?  Que equipamentos?
Sugiro ler a cobertura local do assunto antes de ler a Época.  Publiquei tudo neste blog, exceto o Novo Jornal porque não pude transcrever e não consegui achar na Internet.  Sugiro especialmente a leitura, ao menos para conhecer o lado de Nicolelis antes de ler a revista, desse texto, desse texto, desse texto, desse texto, desse texto e desse texto.
Da revista Época

O neurocientista Sidarta Ribeiro ocupava uma posição de causar inveja em qualquer cientista de sua área. Dedicado a desvendar os caminhos misteriosos do cérebro, por seis anos Sidarta foi o braço direito de Miguel Nicolelis, o mais renomado neurocientista da atualidade – e o principal, senão o único, brasileiro com chances de ganhar um Prêmio Nobel. Milhares de pessoas com deficiência física ao redor do mundo apostam que das mãos – e do cérebro – de Nicolelis sairão novas tecnologias que possam devolver os movimentos a quem não pode mais andar.
Nicolelis já conseguiu transformar estímulos enviados pelos neurônios da macaca Idoya, conectada a eletrodos em um laboratório nos Estados Unidos, em um código de computador capaz de fazer um robô andar em uma sala do outro lado do mundo, em Kyoto, no Japão. Sidarta Ribeiro, seu ex-orientando de pós-doutorado, foi nomeado diretor do Instituto Internacional de Neurociênci
as de Natal (IINN) em 2005, pelo antigo professor. A entidade era pioneira e prometia nada menos que uma revolução na ciência produzida no país. O objetivo era repatriar pesquisadores brasileiros que estavam trabalhando em universidades estrangeiras e dar impulso ao desenvolvimento científico na Região Nordeste. Nicolelis, que lidera um grupo de pesquisadores da Universidade Duke, nos Estados Unidos, funcionaria como um relações-públicas para o instituto, usando seu prestígio para angariar fundos. Ribeiro e outros cientistas conduziriam as pesquisas em Natal.
A parceria desmoronou na semana passada. Ciente de que estava prestes a lançar uma bomba sobre a comunidade científica brasileira, Ribeiro colocou um ponto final no sonho que alimentava com Nicolelis. Chamou um caminhão de mudanças e levou embora parte (cerca de 10%) dos equipamentos do IINN: uma centrífuga, alguns computadores, microfones e uma estufa de gás carbônico. Os equipamentos foram comprados com recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia. O plano de Ribeiro é montar uma instituição semelhante ao IINN na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Instituto do Cérebro, para onde foi toda a mudança. No IINN – e com 90% da estrutura original do órgão –, ficou um único pesquisador, além do próprio Nicolelis. Os outros dez acompanharão Ribeiro no novo centro de pesquisas. “Cansei do embate com Nicolelis”, afirma Ribeiro. “Estou investindo toda a minha energia no instituto e meus planos são os mesmos de 15 anos atrás: fazer ciência de ponta no Nordeste e formar uma geração de cientistas de alta qualidade.”
Como nas separações de celebridades, logo vieram as especulações sobre o que teria provocado o fim do casamento. O motivo mais forte teria sido o controle excessivo de Nicolelis sobre o que se passava no IINN. Uma fonte ouvida por ÉPOCA relata que o papa da neurociência administrava a entidade de forma excessivamente centralizadora. “Ele queria gerir robôs, não pessoas com opinião”, disse. A crise nasceu há cerca de três anos. Segundo Ribeiro, surgiram divergências sobre uma parceria feita entre a Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (Aasdap), de Nicolelis, responsável por verbas privadas, e a UFRN. Não se sabia direito quem mandava na organização e quem autorizava o uso dos equipamentos. Nicolelis também teria vetado a realização de um simpósio internacional no IINN. O jornal Folha de S.Paulo ainda publicou que o pesquisador argentino Diego Laplagne, da Universidade Rockefeller, foi proibido por Nicolelis de entrar no instituto para assistir a uma palestra no ano passado.
“A coisa explodiu com Sidarta, mas não é só com ele. Por que os outros dez professores saíram?”, pergunta o neurocientista Cláudio Mello, outro cientista que ajudou a esboçar o IINN e trabalha na Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, nos Estados Unidos. “O IINN não é um projeto só do Nicolelis. Os detalhes de quem cuida de cada aspecto deveriam ter sido bem definidos.”

AGORA, SÓ

São poucos os pesquisadores envolvidos na celeuma dispostos a comprar uma briga pública com Nicolelis. Ângela Paiva Cruz, reitora da UFRN, que sediará o novo centro de Ribeiro, também prefere adotar uma posição neutra. “A retirada foi acordada com Nicolelis, e eu a deleguei a Sidarta. Não houve surpresa. Tudo foi planejado e discutido”, disse Ângela a ÉPOCA. Em nota oficial, a reitora afirmou que a parceria com o IINN continua.
Nicolelis também minimizou a importância da saída de Ribeiro. Em sua conta no Twitter, ele publicou mensagens que amenizavam a importância dos atritos. Na terça-feira 26, dia em que o rompimento veio à tona, Nicolelis escreveu que se tratava apenas do fim de uma “colaboração científica”. Mas as mensagens que se seguiram mudaram de tom – e Nicolelis aproveitou para se defender (“Temos normas que esse grupo não aceitava seguir, mas o acesso aos equipamentos era total e irrestrito”) e para alfinetar Ribeiro e seus colegas de dissidência (“Alguns cientistas acharam que o próprio umbigo era mais importante do que a missão do instituto”). Com o rompimento com seu antigo mestre e parceiro, Sidarta Ribeiro pode ter aberto o caminho para a existência de dois centros de desenvolvimento de cientistas brasileiros de ponta. Mas o divórcio lembra a todos que, nos tortuosos caminhos da ciência, poucos obstáculos são mais difíceis de vencer do que uma boa briga de egos.

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