Operação Sinal Fechado: O plano de João Faustino

Qual terá sido a solução proposta por João Faustino?  Cassiano ligou para Alcides Barbosa, dois dias antes de a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) anunciar o cancelamento do contrato do INSPAR (que só foi executado no fim de maio) para falar que João tinha encontrado uma solução.  Qual seria?


Como seria essa solução não fica claro ao longo da petição.  Uma das coisas que pode ter sido parte do plano de João tenha sido o anúncio do cancelamento do contrato, mas sem consequências práticas imediatas, uma vez que o contrato somente foi cancelado em maio.  Isso criaria uma cortina de fumaça e deixaria aberta a possibilidade de se avançar as negociações entre governo e consórcio.  Negociações que, efetivamente, ocorreram, como mostrei neste post, e, como se demonstra abaixo, tiveram início na mesma semana do anúncio.

Em determinado momento da investigação, as interceptações telefônicas demonstram que membros do governo de Rosalba Ciarlini (DEM) tomaram conhecimento do esquema fraudulento que envolvia a inspeção veicular.  Em 24 de fevereiro, por exemplo, Jorge Confessor diz a Edson Cesar (o Mou) que Gilmar da Montana havia lhe dito que o novo governo tinha descoberto tudo, até os percentuais que cada parte receberia e o papel de George Olímpio.


Gilmar disse que "os caras" não querem acabar com a inspeção, mas tirar Lauro Maia e os demais: "a gente vai se dar bem nesse negócio".  Ou seja, ao menos no entendimento dos participantes da organização, membros do governo Rosalba querem substituir membro do antigo governo no grupo.
Como, quinze dias depois de a governadora ter anunciado o cancelamento do contrato com o consórcio INSPAR, os sócios ainda podem negociar a manutenção do serviço?  O anúncio ainda não havia sido concretizado.
Como o novo governo passou a conhecer o esquema?
Através de um e-mail, enviado por algum participante da organização, não identificado.  Segue abaixo um trecho da petição.  Note que a conversa entre George Olímpio e Alcides Barbosa aconteceu no dia 06 de fevereiro.  Ou seja, três dias antes de a governadora Rosalba Ciarlini anunciar o cancelamento do contrato.  Falamos sobre isso aqui e aqui.



Em 07 de fevereiro, no meio da pressão que redundaria no anúncio do cancelamento do contrato no dia 09 (que só aconteceria em maio), Cassiano ligou avisando que João tem um plano.
A suspeita dos participantes da organização é que o e-mail tenha sido escrito por João Faustino.  Os promotores afirmam não ter certeza sobre isso, mas fica claro que o e-mail, que não aparece interceptado na petição, foi escrito por alguém de dentro do grupo e que foi o meio pelo qual o novo governo tomou conhecimento e passou a negociar.  
George e Alcides esperam falar com o filho de João, o também denunciado Edson Faustino, para tentar esclarecer o assunto.  É quando, horas depois, George liga para Alcides, que confirma ter recebido uma ligação "do amigo".

A conversa acima confirma que o governo havia, aparentemente, aberto uma via de negociação.  Alcides conclui, na conversa com George, esperar "que eles entrem. Entrem não, né? Que eles tenham consciência que é melhor fazer amigável do que ir para a briga, né? Porque, de qualquer forma, se for para a briga não vai ter para ninguém, né?".
Aparentemente, também constou do plano de João Faustino expor o esquema para tentar sensibilizar o novo governo a permitir e participar do grupo e da inspeção.  Por isso, teria escrito o e-mail.
Em 24 de fevereiro, a investigação captou uma conversa entre Gilmar da Montana e Jorge Confessor.  Aliás, fica claro então que a negociação avançou, mesmo depois do anúncio de cancelamento do contrato pela governadora.

Em 24 de fevereiro, Gilmar da Montana conversa com Jorge Confessor.
Desembargador Expedito Ferreira já conhecia o e-mail de João Faustino
Gilmar da Montana tem uma relação de amizade com o desembargador Expedito Ferreira e seu filho, o agora denunciado Érico Ferreira, diretor-geral do Detran/RN.  É o desembargador que deixa claro para Gilmar, em conversa da qual Érico também participou, que o e-mail informava o funcionamento da organização e os percentuais que eram repassados para os políticos e os demais, e que, por isso, não adiantava mais mentir.  Mais que isso, Expedito diz para Gilmar: "será possível que todo mundo tá mentindo e só você tá falando a verdade?", o que pode significar que o desembargador, ou outra pessoa a ele ligada, já havia conversado com outros membros da organização.
Outro elemento que mostra que a negociação avançava neste front é que Gilmar decide que agora quer entrar como diretor, não mais arrendatário, dando a entender que era possível uma solução que pusesse a inspeção para rodar.  Gilmar fala também que apresentou Mou a Érico e diz que pode passar a perna no grupo ligado ao governo Wilma/Iberê.  Na verdade, o que se depreende da conversa é que a organização negociava com o governo a substituição daqueles ligados ao governo Wilma/Iberê por pessoas ligadas ao novo governo.
Não fica claro, no entanto, que era assim que o governo se comportava.  Apenas que esse era o entendimento da organização criminosa.  No entanto, com certeza a negociação acontecia e envolvia pessoas próximas ao governo.


Era 12 de julho.  Numa mesma conversa entre Gilmar e Edson (Mou) são envolvidos os nomes do vice-governador Robinson Faria, do primeiro-cavalheiro Carlos Augusto Rosado, do desembargador Expedito Ferreira e do diretor-geral do Detran, Érico Ferreira.  Com todos havia negociação e todos deram para trás.  Gilmar diz que falou com Érico que "disse que vai resolver e agora diz que não pode".
O plano de João resultou em ganho de tempo e a negociação prosseguiu por meses.   Talvez João considerasse ainda mais fácil negociar sob o novo governo, afinal, os vínculos até políticos eram bem mais intensos.
A negociação começou em fevereiro.  É da mesma ligação de 24 de fevereiro entre Jorge Confessor e Gilmar da Montana a transcrição a seguir:


Segundo Jorge e Gilmar, George estava fazendo a cabeça de Mou para convencê-lo de que Érico tentava inviabilizar o negócio.  Gilmar esclarece que não e nada disso, apenas "estratégia pra tirar logo o pessoal do caminho".
O resultado direto da intensa negociação não era apenas retirar os nomes ligados a Wilma/Iberê, mas aparentemente tencionavam retirar o próprio George Olímpio.  Aqui destacamos que a presença de George era um empecilho, uma vez que Carlos Augusto Rosado tem "um ódio grande"por ele.
Talvez tenha feito parte deste primeiro pacote de negociações uma decisão liminar concedida pelo desembargador Saraiva Sobrinho no mês de abril.


Edson Faustino, filho de João, era assessor de Saraiva Sobrinho, mesmo depois de ter sido preso na Operação João de Barro em 2009.  O mesmo desembargador nomearia, ao assumir a presidência do TRE em setembro, Edson no Tribunal Eleitoral e Marcus Procópio, genro de João Faustino.  Ambos, denunciados pela investigação da Operação Sinal Fechado, foram exonerados.  Edson, como assessor jurídico do desembargador, deve ter contribuído na decisão em favor do Consórcio.
O terceiro braço do plano de João Faustino pode ser o braço jurídico. Esses três pontos e a negociação, aliados ao que já estava em curso - plano de mídia local e nacional, apoio de José Agripino e de advogados como o ex-ministro José Delgado - deviam dar respaldo ao consórcio e à continuidade do negócio da inspeção.  Isso se reforça pelo fato de que o governo manteve a intenção de fazer a inspeção veicular, mas estava "estudando"uma forma mais adequada de realizar.
Mas por que todos parecem começar a recuar?  Não tenho como afirmar nada com certeza, mas a própria petição indica que em agosto começaram os depoimentos na ação civil pública movida pelo Ministério Público contra a inspeção veicular.  Os envolvidos poderiam até não perceber que estavam sendo investigados, mas aparentemente ficou patente aos negociadores do governo que as investigações exporiam demais seus nomes e o atual governo.
Alguns indícios houve de que os investigados suspeitavam de estarem sendo monitorados. George, por exemplo, diz em ligação para Alcides, em 06 de fevereiro que não "adianta falar agora por telefone.  Agora só prejudica a gente".  Várias vezes há relatos de que eles evitam falar ao celular e até ligações de telefones públicos foram realizadas.
Não está claro se o recuo foi devido a alguma percepção sobre a investigação, mas é certo que a estratégia estabelecida em bases traçadas por João Faustino incluiu uma intensa negociação com o governo Rosalba Ciarlini (DEM) para repetir, com novos atores, o mesmo negócio estabelecido sob o governo Wilma/Iberê.  Era preciso tirar "o filho da governadora" e os demais.  O governo Rosalba negociou entre fevereiro e maio, depois do anúncio do cancelamento do contrato.  Após uma segunda representação do Ministério Público, finalmente cancelou o contrato com o consórcio INSPAR no fim de maio.  Ainda assim, mostram as investigações, as negociações continuaram.
Em paralelo, como postei aqui, o Detran/RN renovou o contrato com a Planet Business para o registro de veículos em 15 de junho.  O contrato tem validade até dezembro.  A empresa pertence ao denunciado Nilton Meira e tem como sócio aqui George Olímpio.  Aliás, fez parte da primeira fase do esquema fraudulento da organização criminosa, rendendo milhões (R$ 112,00 por carro financiado).  O contrato foi assinado por Érico Ferreira, diretor-geral do Detran.
A Operação Sinal Fechado foi desencadeada no dia 24 de novembro, véspera de uma licitação para contratar esse serviço por parte do Detran.  O MP suspeitava da licitação que se provou fraudada, mais uma vez, em favor da Planet Business: foram encontradas, no escritório de George Olímpio, todas as propostas que ainda seriam apresentadas no dia seguinte.  Por isso, a presidente da Comissão Permanente de Licitação do Detran também foi denunciada entre os 34 contra quem o MP ofereceu denúncia na sexta-feira (02).
Enfim: se a investigação for levada a termo não se restringirá apenas aos primeiros 34 denunciados, incluindo os dois ex-governadores, contra quem pesam provas também cabais.  O atual governo também foi engolfado pelo esquema.
E que todos se lembrem: a denúncia de sexta-feira foi fundamentada em apenas 1/6 dos documentos apreendidos.







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