As três possibilidades para o PC do B



Morreu como um cachorro e gritou feito um porco
depois de pular igual a macaco.
Vou jogar nesses três que nem ele morreu:
num jogo cercado pelos sete lados.
João Bosco (Tiro de Misericórdia)

Conta-se que a Guerrilha do Araguaia teve um grande traidor. Digno de ser comparado ao Cabo Anselmo. Ninguém nunca vai poder provar e, por isso, nem vou referir seu nome. Além de tudo, poderia estar cometendo uma injustiça histórica.

Mas a mesma história dá conta de que enquanto era vivo Glênio Sá, o personagem que supostamente entregou a guerrilha não teve coragem de pisar em Natal.

A história insinua que um camarada entregou, mesmo sob tortura, todos os companheiros à uma morte cruel. Inclusive Osvaldão, morto à traição com um tiro pelas costas.

No início do dia, Noblat cometeu o ato falho de chamar Orlando Silva de Osvaldo. Ponte para que eu me lembrasse de Osvaldão. Seu exemplo e seu martírio. Teve a cabeça cortada fora. Seu corpo foi transportado de helicóptero para que toda a região do Araguaia visse que ele não era indestrutível.

Indestrutível foi a mesma palavra que o ex-ministro Orlando Silva usou esta semana. Como Osvaldão, ele não era indestrutível. Foi morto [politicamente] à traição nesta noite. Morreu como um cachorro e gritou feito um porco depois de pular igual a macaco, como diria João Bosco. Orlando foi humilhado. Nem a hombridade de ser demitido lhe foi permitida. Teve de pedir exoneração, depois de, à tarde, deixar claro para a imprensa que não pensava na demissão. Foi decepado. Deixaram seu cadáver insepulto na mata. Negro, comunista. Como Osvaldão.

O desenrolar dos fatos das últimas semanas lança os comunistas numa encruzilhada histórica. E não há nenhuma encruzilhada para o governo. Afinal, o governo deixou claro de que lado se encontra ao se permitir dar razão ao deputado federal Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM/BA). Se nós não aceitamos que ACM Neto falava em nome do país, que supostamente não queria Orlando à frente da condução da Copa do Mundo, o governo fez valer o querer e as palavras do deputado: 24 horas depois, Orlando não era mais ministro.

O PC do B tem mais uma encruzilhada histórica.

Ninguém negou que tivesse havido malversação de recursos públicos no Programa Segundo Tempo. Todos os dados concretos de desvios que se têm publicamente foram descobertos pelos sistemas de controle e auditoria do governo e do ministério. O governo e o ministério não transigiram com o mal-feito.

João Dias Ferreira, o acusador, para além disso, sumiu quando a situação já estava definida: sequer foi fazer seu depoimento marcado na Câmara para esta tarde. Suspeito de homicídio, prometeu inúmeras vezes provas que jamais apareceram. João Dias desviou quase R$ 4 milhões do programa. A única testemunha até agora.

Orlando não podia ter se demitido. Mas o fez. Se alguém tivesse que expor seu cadáver, que fosse a presidenta da República, que tem demonstrado um imenso talento para desmobilizar e destruir sua militância (quando uma crise de verdade a atingir diretamente, quem vai segurar sua barra? Ela ficará sozinha).

Aí temos algumas possibilidades. O PC do B pode erguer a cabeça e deixar o governo. O governo se acabou. Capitulou na batalha de comunicação contra a mídia. Em dez meses, não apresentou o marco regulatório das comunicações, que Franklin Martins deixou pronto, modificou o PNBL e cedeu às teles o arremedo de projeto de Banda Larga. Rifou os direitos civis de homossexuais para evitar uma investigação contra Palocci que, por fim, caiu. Assumiu a falta de agenda e passou a ser pautado pela agenda da mídia. Assim, a presidenta virou faxineira.

O PC do B foi humilhado. Dilma puxou o gatilho, abriu-lhe o cadafalso. Se antes eu havia deixado de defender o governo, os fatos de hoje me lançaram na oposição.

O PC do B pode abrir mão de sua honra e permanecer no governo - mesmo depois de ter um dos seus executado em praça pública, sem chance de defesa e sem prova de culpa. Isso provaria uma de duas coisas.

Camaradas do PC do B e companheiros de outros partidos que tentam ao longo da noite construir as justificativas para o que fez o governo hoje conjecturando que Dilma sentiu-se enganada por haver descoberto esqueletos não revelados nos armários comunistas de Orlando Silva. Por isso, o partido teria entregue Orlando ao sacrifício.

A outra possibilidade é que realmente não haja nada. O partido e o ex-ministro foram linchados publicamente de maneira injusta. Dilma se rendeu à pressão da mídia e de gente como ACM Neto. Dilma se tornou refém definitivamente da mídia de direita do país. Será a imprensa quem conduzirá a agenda do governo. Se o governo, no que se refere a avanços populares, já não ia bem, o futuro parece temível. Ficar no governo sendo injustiçado é abdicar da honra em troca dos cargos.

Quer dizer: vejo três possibilidades. Na primeira, humilhado pela presidenta da República, o PC do B deixa o governo. Na segunda, partido e ministro têm culpa no cartório, por isso aceitaram a decisão sem romper com o governo. Na terceira, partido e ministro humilhados se rendem à necessidade de manter cargos e os papéis por eles desempenhados - ou seja, uma decisão puramente fisiológica.

Camaradas vieram tentar me convencer de que a permanência no governo tem nada a ver com essas questões. Vêem a necessidade de permanecerem no governo para o tensionarem, para fazer a pressão à
esquerda por dentro. Dizem que o governo deve ser avaliado numa dimensão mais ampla.

Quem tem que ter outra proposta é essa esquerda que se estabelece como revolucionária.

Eu penso que avalio o governo a partir de uma dimensão mais ampla: ele tem sistematicamente aberto mão das pautas sociais mais à esquerda do país. Recupera índices recordes de popularidade a partir da assunção de um discurso de direita, udenista, janista. Não politiza a questão, discutindo com a opinião pública as verdadeiras raízes da corrupção, por exemplo. Fez opções erradas que ao longo dos meses têm afastado a militância.

Urge ao PC do B desembargar do governo e resgatar sua honra ferida. Se permanecer, inviabiliza para mim uma militância efetiva, por exemplo, no que refere à democracia da comunicação.

Ficar no governo é assumir a culpa. E, sendo ela real, é admitir que corroborou com os mal-feitos. Não sendo verdadeira, é ser humilhado. Ficar no governo, depois de ser humilhado assim, é afrontar a luta intensa que a militância travou, dando cara a tapa. nos últimos dias para defender o Partido.

Não se pode mais apoiar verdadeiramente um governo que assina embaixo de uma demissão ministerial construída pela Veja, pela Fifa (que havia demitido o ministro na sexta) e por ACM Neto (que o demitiu ontem). Não é verdade que somente seja possível militar, construir um país novo, fazer uma revolução de dentro do governo. As revoluções acontecem nas ruas. Mas esse é o governo da desmobilização proposital.

O governo ou a honra. Não dá para ficar com os dois. Eu não ficarei.

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