Será mesmo @miguelnicolelis um desbravador?




Em março de 2009 pesquisa realizada pelo grupo liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis foi capa da revista Science, publicação oficial da Academia de Ciências dos EUA.  A pesquisa tratava sobre a estimulação da medula espinhal em animais com Parkison que recuperaram os movimentos.
Semana passada, foi a vez da Nature publicar uma capa com outra pesquisa de Nicolelis, sobre a qual falamos aqui.  Não foi sua primeira vez nas páginas da revista britânica.
A Universidade de Pittsburg publicou uma pesquisa financiada por US$ 75 milhões pelo Darpa em que um paciente humano pôde movimentar um braço mecânico. Tudo parece muito desconexo, assim como aparenta ser uma tempestade neuronal.  Mas não é.
A pesquisa de Pittsburg me parece a um leigo no assunto, mas que conhece um pouco de método científico, uma das possíveis aplicações de uma caminhada científica que foi explicitada em muitos textos, como esse a seguir da Revista Brasileiros de 2008:


"A gente descobriu que podia fazer mais do que apenas ler o código" do impulso elétrico emitido pelos neurônios. "Era possível decifrar o código e eventualmente enviá-lo para controlar uma prótese mecânica", no caso um braço-robô. Foi isso que sua equipe fez em 1998. Implantou elétrodos no cérebro de um camundongo, conectando-os a 50 neurônios. O implante reconheceu o sinal do cérebro do roedor. Ele conseguiu controlar o braço-robô que apertava uma alavanca, oferecendo água como recompensa.

No ano seguinte, 1999, foi a vez de Belle, uma macaca-da-noite, espécie sul-americana. O implante em 90 neurônios permitiu pela primeira vez a um primata mover um braço robótico com a força do pensamento. A repercussão da façanha fez com que o trabalho de Nicolelis alcançasse as manchetes da imprensa. Sua pesquisa foi listada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) como uma das dez tecnologias que vão mudar o mundo. Desde então, esse paulistano de 47 anos, completados em 7 de março, colecionou uma porção de premiações e publicou dezenas de artigos nas mais conceituadas publicações científicas do planeta.

Em 2003, foi a vez de uma macaca rhesus chamada Idoya. Essa espécie tem um cérebro muito mais complexo que o de Belle, e mais parecido com o humano. O experimento usou 500 neurônios e consistiu em captar o sinal do cérebro de Idoya e enviá-lo para o MIT a 1.000 quilômetros de distância, onde fez um braço-robô de 90 quilos se mover. Em 2004, ao tentar pela primeira vez o implante em humanos, no caso pacientes com mal de Parkinson, Nicolelis provou que o mesmo conceito também poderia ser aplicado ao Homo sapiens. Em 2005, foi a vez da macaca rhesus Aurora, cujos sinais cerebrais foram registrados quando ela usou um joy stick para jogar videogame.

Traduzidos, os sinais foram usados para comandar um braço mecânico. De lá para cá, o neurocientista comprovou que o experimento também pode ser aplicado aos membros inferiores, ou seja, a leitura dos neurônios não é apenas capaz de mover braços, mas também pernas robóticas. Foi o que o brasileiro fez em 2007. "Um macaco no meu laboratório começou a andar numa esteira. Nós registramos a atividade neural e enviamos o sinal via satélite em 100 milissegundos para o Japão, onde um robô em Kyoto andou sob o controle do sinal do macaco." No mesmo instante, o robô passou a enviar sinais ao macaco para que este tivesse uma noção de como o robô andava. "Completamos o looping em 240 milissegundos. É menos do que um sinal elétrico leva para sair do cérebro do macaco e atingir a sua perna."

A conquista mais recente aconteceu em 15 de janeiro de 2008. Repetiu-se a experiência do macaco andando controlando um robô em Kyoto, só que com uma diferença fundamental: o macaco podia ver o robô num monitor à sua frente, e era recompensado quando andava em sincronia com o robô (que estava sob o controle do macaco). Passada uma hora, a esteira foi desligada, mas o primata continuou dirigindo a caminhada do robô.

Uma parte do cérebro do macaco tornou-se dedicada a controlar o robô, como se fosse uma extensão do seu próprio corpo. "Vamos fazer o anúncio oficial daqui a algumas semanas, quando sair publicado na
Nature", revela Nicolelis. "Mas eu inverti a ordem dos fatores e decidi daqui por diante anunciar nossos trabalhos informalmente."

Não me parece, também, que tais processos possam ser caracterizados somente como uma disputa por verba ou reconhecimento.  Na verdade, as interações científicas são sempre possíveis e necessárias e conduzem a resultados sempre mais ou menos expressivos.  Ainda que tantas vezes se dêem em meio a segredos industriais ou, até, militares.
Resta, no entanto, o questionamento sobre os dados da pesquisa publicada em Pittsburg, como bem colocou Nicolelis no twitter ontem à noite.

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