#BlogueiroAssassinadonoRN: Sobre homens feitos de ferro e de flor

"Mas existe nesta terra
muito homem de valor
que é bravo sem matar gente
mas não teme o matador
que gosta de sua gente
e que luta a seu favor
como Ednaldo Filgueira*
feito de ferro e flor"
Por Tiago Aguiar
No Blog Cheque Sustado

Serra do Mel é uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Norte, uma terra onde muitas leis apenas estão nos livros e papeis, e que a realidade não é crível.

Fruto de um projeto de reforma agrária, a cidade foi planejada com 23 agrovilas, projeto baseado nosmoshav israelenses. Cada agrovila possui um nome de um estado brasileiro, e o centro administrativo está nas vilas de Brasília e do Rio Grande do Norte, hoje conurbadas.Uma cidade em que a democracia é apenas uma ilusão. Uma cidade em que a única torre de telefonia é desligada a mando dos poderosos conforme o seu interesse. Uma cidade em que seus habitantes não escolhem democraticamente os seus governantes. Uma cidade em que o coronelismo se espelha no número de eleitores, dois mil votantes a mais que habitantes, com ônibus transportando desconhecidos dos locais. Uma cidade em que é proibido andar de capacetes em motocicletas, em face ao crime organizado e constante ameaça de pistoleiros.


Ednaldo Filgueira era um dos colonos de Serra do Mel, e sua batalha era contra a opressão e o sistema coronelista local. Foi o fundador e editor do primeiro jornal da cidade, também foi o homem que levou o acesso a internet para Serra do Mel, tanto o provedor de acesso, quanto a lan house da pequena cidade.

Com muito suor conseguiu se formar em administração de empresas, viajando 60km todas as noites após um dia de trabalho. Mas Ednaldo era incansável, era o organizador independente que tocava grupos de teatros, concursos de canções, mostras folclóricas de boi de reis.

Ednaldo, antes de tudo, acreditava na informação como forma de libertação da humanidade. Acreditava que o conhecimento e a comunicação livres eram as armas para destruir os grilhões. Ednaldo era blogueiro, e foi assassinado ao questionar a população através de uma enquete em seu blogue sobre a educação pública de Serra do Mel. Ameaçado, retirou a enquete do ar - mas a sua vida já estava encomendada a um grupo de pistoleiros, já perseguidos pela polícia na operação "matadores de aluguel". Sua vida foi ceifada em frente de seu pequeno comércio, um dia após colocar na web a enquete, sem direito à defesa, de maneira covarde. A loja de Ednaldo ficava a apenas 50m da delegacia de polícia, mas nada foi feito em sua defesa.

Ednaldo foi morto quando concluía a edição 51 de seu jornal. Resgatamos o material inconcluso, escrevemos alguma homenagem, e entregamos ao povo de Serra do Mel.Esta edição do jornal pode ser lida aqui. Ednaldo conseguiu que a edição 51 do Jornal o Serrano fosse distribuída, mas Ednaldo nunca poderá ser substituído.

Que Ednaldo nunca seja esquecido, calado, que a sua voz sempre ecoe. Faltam palavras para este que escreve sobre a tristeza amarga de ver uma pessoa simples, humilde, lutadora, ser morta. Mas não faltará trabalho, nem vontade de lutar por justiça. O prefeito de Serra do Mel é indiciado como autor intelectual do crime, e entre os matadores presos, três são parentes do prefeito. Somos frágeis, somos humanos, mas somos muitos. Os poderosos não poderão dar conta de todos.

*Poema escrito por Ferreira Gullar para homenagear o líder camponês Gregório Bezerra, lido durante a entrega dos jornais em Serra do Mel como parte das homenagens a Ednaldo Filgueira. (17/12/2011)

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