Jean Wyllys: "Religiosos são livres para dizer no púlpito de suas igrejas que a homossexualidade é pecado"

Na Folha de São Paulo 
 
Folha/UOL: Olá, deputado. Muito obrigado por ter aceitado o convite. Eu começo perguntando sobre o projeto de lei que, se aprovado, vai tornar crime atitudes homofóbicas, como já ocorre com o racismo no Brasil. No ponto em que está tramitando o projeto agora, o sr. acha que ele está com um texto adequado?
Jean Wyllys: Bom, primeiro eu quero agradecer o convite também e saudar os internautas. Eu acho que da maneira como ele se encontra [o projeto], nesse ponto da tramitação, o substitutivo apresentado pela senadora Marta Suplicy [do PT-SP] ao projeto e foi redigido pelo senador Demóstenes Torres, do Democratas de Goiás, não agrada à Frente Parlamentar LGBT, nem agrada a setores do movimento LGBT. Da maneira como esse substitutivo foi apresentado... E o próprio texto cria um novo tipo penal e reduz a homofobia a uma mera questão de agressão e assassinatos, né. Como se a homofobia se expressasse apenas e tão só nessa forma letal. E essa forma letal da expressão da homofobia, ela já é tratada no Código Penal. Ou seja: qualquer pessoa que cometa lesão corporal ou assassinato, o Código Penal já prevê penas para o assassinato e para a lesão corporal. O que o Código Penal não prevê é um motivação homofóbica. E aí o projeto, o parecer anterior que é da senadora Fátima Cleide [do PT-RO] é muito mais amplo, porque ele contempla, ele prevê a motivação homofóbica, mas ele trata de outras expressões da homofobia, como a injúria por exemplo.

Folha/UOL: O sr. poderia descrever o que seria adequado que esse projeto de lei estabelecesse como crime de homofobia?
Jean Wyllys: Primeiro é preciso promover o discernimento, né. Tem muito preconceito em relação a esse projeto, muita distorção, muitos equívocos sendo divulgados em relação a esse projeto. A ideia, por exemplo, de que se o projeto for aprovado ninguém vai poder chamar o outro de veado numa partida de futebol, torcidas rivais não vão poder fazer piadas nesse sentido.
Folha/UOL: Isso não é o caso?
Jean Wyllys: Não é o caso. A intenção de divulgar e de espalhar esse tipo de equívoco é de jogar a sociedade civil, a opinião pública, contra o projeto. O projeto prevê a proteção da comunidade LGBT contra a injúria e contra o impedimento do acesso ao direito. Por exemplo: é um direito meu expressar publicamente meu afeto no teatro, no shopping center e não ser banido desses lugares por conta disso.
Folha/UOL: A relatora [do projeto de lei que criminaliza a homofobia] é a senadora Marta Suplicy.
Jean Wyllys: Sim.
Folha/UOL: Em quais aspectos o sr. acha que ela deveria mudar de opinião para fazer alguma adequação ali? O sr. teria como dizer especificamente algo que ela deveria fazer?
Jean Wyllys: Eu acho que o texto da senadora, o substitutivo da senadora Marta Suplicy, que foi redigido pelo senador Demóstenes Torres [do DEM-GO], que não é homossexual e, muito pelo contrário, não tem muita simpatia pela comunidade homossexual, esse texto é defasado por exemplo no que diz respeito à própria discussão da matéria penal. Ou seja, nós, militantes dos direitos humanos, a gente trabalha muito na direção do direito penal mínimo. Então, não nos interessa penas de prisão de muito tempo de reclusão na sociedade como forma de justificar ou de se dizer que se está enfrentando a homofobia. Eu penso por exemplo que as penas alternativas e as multas e as prestações de serviço têm que ser pensadas no caso das penas no caso das injúrias praticadas contra homossexuais em programas de televisão, quando isso acontece, por pessoas públicas, com funções públicas, por estabelecimentos, donos de estabelecimentos comerciais que permitem essa discriminação. Então esse é um ponto do texto que me incomoda bastante, a criação de um novo tipo penal e não a dilatação dos tipos já previstos, como no caso, todo o arcabouço aí do Código Penal que protege a comunidade judaica e protege a comunidade negra, incluir nesse arcabouço aí a discriminação por orientação sexual e por... Porque é uma coisa que é preciso se dizer e não se diz nunca, claro, trata-se de jogar a opinião pública contra o projeto de lei, é que o projeto de lei, o PL 122 [de 2006], ele inclui entre essas discriminações por religião e por etnia a discriminação a pessoas com deficiência física, a idosos e homossexuais que são grupos vulneráveis.
Folha/UOL: Vamos num caso concreto. No shopping está um casal homossexual trocando carinhos e por algum motivo alguém da administração do shopping center retira essas pessoas de dentro do shopping center. Que tipo de pena caberia nesse caso na sua avaliação?
Jean Wyllys: Uma multa com dinheiro revertido para programas sejam públicos ou de Organizações Não Governamentais que promovem a cidadania gay, por exemplo. No caso de adolescentes, por exemplo, que injuriam... Quando pegos em flagrantes, claro, porque tem que ter o flagrante... Injuriando ou atacando, como acontece muito, talvez você não saiba disso, mas acontece bastante, de adolescentes ou pós-adolescentes passarem de carro e jogarem pedras e ovos nas travestis, quando pegos essas pessoas poderiam prestar serviços à comunidade por exemplo. Talvez em organismos que tratem exatamente desse grupo aí que eles atacaram, as travestis e transexuais.
Folha/UOL: No relatório da senadora Marta Suplicy é tratado o caso de cultos religiosos. E há uma certa leniência em relação ao que acontece dentro de templos religiosos. Como ficou essa parte e o que o sr. acha dessa abordagem.
Jean Wyllys: Eu acho que as religiões, elas têm liberdade para propagar da maneira que elas melhor escolheram, definiram, os seus valores. A sua concepção de vida boa. Isso é uma coisa garantida na Constituição e que a gente tem que defender. As religiões são livres para isso. E os pastores são livres para dizer no púlpito de suas igrejas que a homossexualidade é pecado, já que eles assim o entendem. Entretanto, eu não acho que os pastores que estão ali explorando uma concessão pública de rádio e TV tenham que aproveitar esses espaços para demonizar e desumanizar uma comunidade inteira, como é a comunidade homossexual.
Folha/UOL: Como tratar isso?
Jean Wyllys: Isso é uma injúria. É uma injúria contra um coletivo. E essa injúria motivada pela homofobia, ou seja, a promoção da desqualificação pública da homossexualidade e da dignidade, e ferindo a dignidade dos homossexuais, ela tem que ser enfrentada.
Folha/UOL: O texto, tal como está neste momento no Senado, não trata disso?
Jean Wyllys: Não trata disso. Muito pelo contrário. O texto inclusive... Eu até admiro e louvo os esforços da senadora Marta Suplicy, que é uma pessoa que eu admiro bastante, de tentar uma negociação com a bancada conservadora do Senado. Nesse intuito de manter essa negociação ela colocou, inclusive, um parágrafo em que ela salvaguarda a liberdade de crença e de opinião de religiosos. Que é uma coisa que deixou, inclusive, a comunidade negra assoberbada e a comunidade judaica também assoberbada. Porque foi uma conquista do povo judaico e da comunidade negra, uma conquista muito grande de proteger esse coletivo da injúria praticada inclusive por religiões. Então quando a senadora inclui esse parágrafo, ela ameaça conquistas já feitas.
Folha/UOL: Os pastores, os padres que tratarem de homossexualidade em seus cultos, sobretudo na televisão. Eles, se referirem-se de maneira agressiva em relação [aos homossexuais]...
Jean Wyllys: Se incitarem a violência, se justificarem as violências todas praticadas no país contra homossexuais por meio de um entendimento que a homossexualidade é uma degeneração, para usar a palavra que eles costumam usar, que é uma abominação, que é uma degeneração, que a homossexualidade é uma doença, que a homossexualidade é um pecado grave e mortal, aí sim eu acho que isso tem que ser enfrentado. E tem que ter uma lei que preveja esse tipo de crime.
Folha/UOL: Enfrentado, criminalizado?
Jean Wyllys: É. Enfrentado é criminalizado. Criminalizado. E quando eu falo criminalizado é entender isso como injúria a um coletivo. Uma atitude difamatória de um coletivo, que merece o respeito.
Folha/UOL: Um padre, um pastor que na televisão disser: "Homossexualidade é incorrer num pecado mortal. Deve ser combatida". Quem disser isso nesse caso mereceria qual punição?
Jean Wyllys: Nesse caso específico, dizer "homossexualidade é pecado"... Não, eu não vejo porque ele tenha que ser combatido porque ele vai inclusive justificar essa afirmação dele. Com base em que ele diz que a homossexualidade é pecado.
Folha/UOL: Como seria uma frase inaceitável?
Jean Wyllys: É. Por exemplo, sabe o que é inaceitável? São as igrejas, por exemplo, financiarem programas de recuperação e de cura de homossexualidade. E o pastor promover esse tipo de serviço nos seus cultos e dizer: "Vocês, homossexuais, venham para os nossos programas de terapia e de cura de homossexualidade". Homossexualidade não é uma doença. E afirmação de que homossexualidade é uma doença gera sofrimento psíquico para a pessoa homossexual e para a família dessa pessoa.
Folha/UOL: Nesse caso, que tipo de punição poderia ser aplicada?
Jean Wyllys: Olha, eu não sei assim...Você fica me perguntando punição em especial... Eu não me sento à vontade para dizer que punição...
Folha/UOL: Mas deveria haver alguma sanção?
Jean Wyllys: Eu acho que tem que haver uma sanção. Eu quero que a gente compare, simplesmente, com outros grupos vulneráveis, para saber se é bacana. Alguém que chegue e incite violência contra mulheres e contra negros, ou contra crianças nesse país... Vai ser bem aceito? O PL 122 da maneira como estava antes, no parecer da senadora Fátima Cleide, ele era muito eficaz no sentido de proteger a dignidade da pessoa humana da população LGBT brasileira que, oficialmente, corresponde a 19 milhões de pessoas. Da maneira como ele estava ele enfrentava os números assustadores de homicídio de homossexuais no Brasil. Até novembro deste ano [2011] foram mortos 233 homossexuais. E no ano passado [2010] foram mortos 266.
Os homossexuais além de serem vítimas da violência urbana que você é vítima, que todos nós somos vítimas independentemente da orientação sexual, eles são vítimas de uma violência específica que só se abate sobre eles. E essa violência se abate pela condição deles. Pela orientação deles, pela existência deles. Essa violência tem que ser enfrentada. Isso não é uma coisa só do Brasil. A Hillary Clinton, secretária de Estado [dos EUA] americana se posicionou na ONU, recentemente, dizendo que os Estados Unidos iriam colocar como condição para a ajuda internacional o país proteger os direitos dos homossexuais. Então esse é um grupo considerado vulnerável não só por nós aqui da Frente LGBT. Esse é um grupo considerado por outros organismos de proteção aos direitos humanos do mundo inteiro.
Folha/UOL: O limite para esse tipo de discurso do qual estamos falando aqui, o discurso condenável sob a ótica dos argumentos que o sr. apresentou, por parte de religiosos... Quando a gente fala da televisão, estamos falando de um meio de comunicação de massa. Aparece um pastor, um padre falando algo dessa natureza. Convidando homossexuais para entrarem em programas de recuperação ou sei lá como eles chamam isso. E quando eles falam isso no ambiente do templo, da igreja deles. É a mesma coisa na sua opinião?
Jean Wyllys: Não. Na minha opinião não é a mesma coisa.
Folha/UOL: Aí é diferente?
Jean Wyllys: Eu acho que, nos púlpitos das igrejas, os padres têm o direito de falar o que eles quiserem para sua comunidade de fé e justificar da maneira...
Folha/UOL: Dentro da igreja?
Jean Wyllys: É. Eu só acho que nas concessões públicas de rádio e TV isso não poderia ser feito. Porque a concessão pública é uma concessão de nós como sociedade. E nós como sociedade temos uma Carta Magna como princípio que nós rege. O princípio soberano da Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, é o princípio da dignidade da pessoa humana. Então conceder uma exploração, dar o direito de exploração a um grupo, ou a uma igreja, ou a uma pessoa que fere os princípios constitucionais não é a coisa mais certa.
Folha/UOL: Por que o sr. acha que a senadora Marta Suplicy, quem tem conduzido no Senado a negociação sobre o texto dessa lei, caminhou um pouco na concessão em relação a esse aspecto religioso?
Jean Wyllys: Porque é inegável que no Congresso Nacional nós temos que dialogar com essas forças. O exercício da política é o exercício do diálogo. Da mediação de conflitos.
Folha/UOL: O sr. acha que não foi uma boa incursão dela nesse caso?
Jean Wyllys: Eu acho que dialogar com as forças conservadoras é sempre uma boa incursão. O problema nesse quesito, desse caso específico da senadora Marta Suplicy foi ela ter negociado apenas com essas forças. Foi a senadora não ter ouvido a Frente Parlamentar LGBT que é um foro do qual ela faz parte e que é o foro constituído para tratar das proposições legislativas e das políticas públicas que interessam à comunidade homossexual brasileira. Outro equívoco foi não ter ouvido o movimento LGBT em sua diversidade. O movimento LGBT tem uma associação hegemônica, mas tem outras tantas associações. É um consenso no movimento LGBT que, para ter uma lei inócua, uma lei que não vai cumprir o caráter pedagógico, é melhor não ter lei nenhuma. É melhor continuar na batalha pela lei que a gente quer. As mulheres não fizeram concessões até aprovar a Lei Maria da Penha da maneira que elas queriam. Os defensores dos direitos da infância e da juventude não fizeram concessões até aprovar o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente como se queria. O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado da maneira que os negros queria. Pelo menos em essência não há uma contestação da comunidade negra em relação ao estatuto da igualdade racial. Então porque nós vamos querer uma lei inócua que vai servir apenas para dizer que o governo petista aprovou alguma coisa, alguma proposição?
Folha/UOL: O sr. evidentemente já deve ter conversado já muito com a senadora Marta Suplicy. O que ela diz para o sr. quando o sr. apresenta esses argumentos?
Jean Wyllys: Olha, a senadora não conversou com a gente. Nas últimas reuniões da Frente Parlamentar [Mista pela Cidadania LGBT] ela tem mandado um assessor conversar com a gente. E todos esses argumentos foram passados para o assessor dela. E o assessor dela, às vésperas da votação, da última votação do PL 122, devolveu-nos a resposta de que ela iria manter o substitutivo da maneira que ela tinha concebido junto com Demóstenes Torres.
Folha/UOL: União civil estável entre pessoas do mesmo sexo. O Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão progressistas que reconhece a união civil estável entre pessoas do mesmo sexo. Não obstante, a Constituição ainda é ambígua, ou para não dizer contraditória em relação a isso. O sr. tem uma proposta para alterar um trecho da Constituição, artigo 226. É vital que esse trecho seja alterado ou o sr. acha que com a decisão do Supremo, a rigor, a jurisprudência já está formada?
Jean Wyllys: Não, a decisão do Supremo é uma decisão relevante, muito bem vinda. Inclusive mostra que, ainda bem que, dos três Poderes da República, um tenha avançado positivamente no sentido de estender a cidadania aos homossexuais. Só que a decisão do STF não é uma lei. A decisão do TSF como você bem falou é uma jurisprudência. Nem todo mundo, nem toda população brasileira tem acesso à Justiça, a gente sabe disso. Para a gente ter uma ideia, nem todos os Estados do Brasil, nem todos os municípios contam com uma Defensoria Pública. Portanto o acesso à Justiça da população brasileira é um acesso pequeno, restrito. Então a gente não pode achar que uma jurisprudência vá garantir direito ao conjunto da população. A única forma de garantir direito é através da lei. Como você bem falou, como a Constituição tem no artigo 226 o parágrafo terceiro... E esse parágrafo terceiro dá margem a interpretações no sentido de excluir os homossexuais do direito ao casamento. Eu apresentei uma PEC, uma Proposta de Emenda à Constituição, que altera esse artigo 226 no sentido de garantir o direito ao casamento civil ao conjunto da população brasileira independente de sua orientação sexual. Estamos falando do casamento civil, óbvio. Em nenhum momento a minha PEC altera ou trata do casamento religioso. A gente trata do casamento civil, aquele que é dissolvido pelo divórcio. Então ainda que eu louve a decisão do STF, eu não vou achar que ela basta. E também não acredito que nós homossexuais temos que nos contentar com uma sorte de gueto. Nós não temos que ficar com a união estável enquanto o restante da população tem direito ao casamento civil. Isso seria uma cidadania de segunda categoria.
Folha/UOL: O ministro Ricardo Lewandowski, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral, esteve aqui, nessa mesma cadeira em que o sr. está, e disse o seguinte: hoje em dia, há tecnologia muito boa nas eleições para fazer consultas populares.
Jean Wyllys: Sim.
Folha/UOL: E que no ano que vem [2012], se o Congresso, até março, pelo menos, fizer um decreto a respeito, eles podem incluir consultas, com resposta simples, "sim" ou "não", na eleição do ano que vem. Esse seria um tema [casamento civil de homossexuais] talvez bom para se incluir ou não?
Jean Wyllys: Não é um tema bom para incluir porque o Estado brasileiro tem um débito enorme com a sua população no que diz respeito a garantir ao conjunto da população uma educação de qualidade para a cidadania, que permita a essa população um espírito crítico capaz de aprofundar determinados temas. Esse débito em relação à educação de qualidade faz com que grande parte da população trate certos temas com preconceitos. E se a gente considerar, na correlação de forças que há na sociedade, se a gente considerar que o poder econômico e o controle dos meios de comunicação e de informação estão com quem é contrário a essas pautas, a essa extensão de cidadania nós já sabemos qual vai ser o resultado desse plebiscito. Não vejo muito sentido em se jogar dinheiro público fora, porque já sabemos o resultado. Não vejo muito sentido. E, além desse argumento econômico, nós temos um argumento de mérito. Direitos fundamentais... Não se deve fazer plebiscito sobre direitos fundamentais.
Folha/UOL: O sr. diria que dos 513 deputados, 81 senadores, se o sr. tivesse que dizer hoje... Imagino que o sr. não tenha a contabilidade exata, mas o sr. acha que a metade já mais ou menos entende, mais da metade dos congressistas entendem a causa, entendem a causa como um direito que tem que ser garantido, é constitucional, ou ainda não? Há muito desconhecimento a respeito?
Jean Wyllys: Olha, eu não saberia precisar quantidade.
Folha/UOL: Mas a sua impressão assim. O sr. acha que a metade hoje em dia pelo menos vê com simpatia ou ainda não?
Jean Wyllys: Eu acho que a metade vê com simpatia.
Folha/UOL: E na hora de votar?
Jean Wyllys: Eu acho que mais da metade está propensa a entender essas demandas como uma extensão de cidadania, como uma extensão de direitos. Eu acho que há uma quantidade de deputados que silenciam em relação a essa questão, que preferem não se colocar. Porque a grande maioria dos deputados sabe do custo eleitoral dessa causa. A maioria dos deputados sabe como seus inimigos políticos, em seus municípios, em seus Estados vão utilizar o envolvimento deles nessa causa contra eles.
Folha/UOL: Quem são os inimigos declarados da causa LGBT no Congresso o sr. diria?
Jean Wyllys: Olha, você quer nomes, é isso?
Folha/UOL: É, ué.
Jean Wyllys: Eu acho que de alguma maneira toda a Frente Parlamentar Cristã, ela é contrária à cidadania LGBT. Nós temos nessa frente parlamentar gente com quem a gente pode dialogar, que está disposta ao diálogo. Por exemplo: foram fundamentais essas pessoas com as quais a gente pode dialogar, elas foram fundamentais para que o Estatuto da Juventude fosse aprovado com o termo "orientação sexual", com a ideia de diversidade, de diversidade sexual e diversidade de orientação sexual. Ainda bem que nós temos nessa frente gente com quem a gente pode dialogar. Porque ela não vai poder ser ignorada, porque ela representa uma parcela considerável da população brasileira. Mas eu diria que, tirando essas pessoas com quem a gente pode dialogar, de uma maneira muito, claro, generalizando, eu posso dizer que o grande inimigo dessa pauta LGBT é essa frente [cristã].
Folha/UOL: O sr. é filiado ao PSOL. Em 2009, se não estou enganado, foi sua filiação.
Jean Wyllys: Isso.
Folha/UOL: O sr. já foi filiado a algum partido antes?
Jean Wyllys: Não.
Folha/UOL: E qual é a sua identificação ideológica com o PSOL?
Jean Wyllys: [risos] Eu nunca fui filiado a partido nenhum antes do PSOL, tinha uma simpatia pelo PT, venho do movimento pastoral da Igreja católica, depois ingressei no movimento gay, que hoje é chamado de movimento LGBT. E sempre tive uma simpatia com o PT, porque o PT era o partido que se abria para essas causas, para as causas impossíveis. Quando decidi me filiar, eu comparando a atuação do PT e do PSOL no Rio de Janeiro, que é a minha cidade de domicílio, e comparando o programa dos dois partidos, eu vi que eu tinha muito mais identificação ideológica e programática com o PSOL, que é um partido socialista. E de alguma maneira os valores que eu herdei do cristianismo, os valores cristãos que eu herdei do período em que estive na pastoral, de um cristianismo perdido, infelizmente, esses valores, essa ética está muito mais próxima da ética socialista, de justiça social e não há socialismo sem a ideia de liberdade.
Folha/UOL: O sr. se interessa por política, pelo modelo de política que se pratica no Brasil e sobre, talvez, como fazer para aperfeiçoar esse modelo? O sr. está chegando no Congresso, deve ter visto coisa certa, coisa errada, o sr. já firmou algum juízo sobre o que poderia ser feito para aprimorar o modelo de democracia representativa no Brasil?
Jean Wyllys: Não, eu não formei um juízo não. Eu acho que a gente está num processo tanto interno, no partido, de discussão desse modelo, quanto externamente com os outros partidos, com os outros representantes do povo. Discutindo como a gente pode aperfeiçoar nosso modelo de democracia, nosso processo eleitoral, de forma a acabar, por exemplo, com o curral eleitoral, com as capitanias hereditárias, de pai para filho passar o seu prestígio...
Folha/UOL: O sr. é a favor, por exemplo, do voto proporcional, como é hoje, para deputado? É a favor do voto distrital? Tem alguma opinião...
Jean Wyllys: Não, eu não sou a favor do voto distrital. O voto proporcional eu acho mais... Para mim, por exemplo, que represento uma minoria, e que represento um movimento social, o voto proporcional é muito mais vantajoso do que o voto distrital. Sou a favor do voto em lista, desde que a gente garanta processos de indicação democrática dentro dos partidos. Sou a favor da candidatura avulsa, que é aquela que não necessariamente precisa ser através de partido, pode ser através do movimento social, por exemplo, alguém que não se identifique ideológica ou programaticamente com nenhum dos partidos disponíveis, mas representa uma causa, a causa ambiental, a causa LGBT, qualquer... e que pode vir através do movimento social.
Folha/UOL: O Congresso Nacional teve sempre poucos, uma minoria de congressistas, que se identificou com o movimento LGBT, como o sr., teve um recentemente, que já morreu, que foi o deputado Clodovil [do PR-SP]. O sr. tem alguma avaliação sobre como foi a atuação dele como deputado? Ele ajudou ou não ajudou nesse caso?
Jean Wyllys: Eu não tenho uma avaliação, eu não acompanhei o mandato do deputado Clodovil, e também desconheço a identificação do deputado Clodovil com a comunidade LGBT. O deputado Clodovil não foi eleito por essa comunidade nem, em nenhum momento da campanha dele, pelo que vi, pelo que eu pude acompanhar da campanha dele, em nenhum momento ele se comprometeu com as demandas do movimento LGBT. O deputado Clodovil, eu até o conheci em vida, uma pessoa muito simpática, pelo menos comigo foi muito simpático, foi muito cortes, ele na minha avaliação assim, todas as ausências são atrevidas, ele não está mais aqui, então eu me acho até injusto falar isso, porque ele não está aqui para se defender, mas na minha avaliação, o deputado Clodovil tinha muita homofobia internalizada, de modo que ele não tinha uma relação orgulhosa com sua própria orientação sexual. Então não foi uma, nem duas vezes que ele se posicionou contra as paradas do orgulho gay, não foi uma nem duas vezes que ele se posicionou contra o pleito do casamento civil igualitário. Portanto ele não tinha uma relação, nem mesmo com a comunidade mais ampla LGBT, nem com o movimento.
Folha/UOL: Tem algo que o incomoda na Câmara? No dia a dia, na rotina?
Jean Wyllys: Olha, não. Talvez o que me incomode sejam as ausências, por exemplo, nas comissões. Isso me incomoda. As ausências, os pareceristas, os projetos que estão ali para serem votados e que não são votados porque o relator não está presente porque ele deveria dar o parecer, aí tem, que sair da pauta. Essa ausência me incomoda, porque o processo democrático já é demorado, né. A democracia, ela tem um tempo, que tem que ser respeitado. O processo democrático já é demorado. Se as pessoas se ausentam, quando elas são funcionárias públicas eleitas para servir à população, elas se ausentam dessa tarefa que é a sua obrigação, isso de alguma maneira...
Folha/UOL: É frustrante?
Jean Wyllys: É.
Folha/UOL: E o que é bom lá na Câmara? O sr. está gostando de ser deputado?
Jean Wyllys: Eu não costumo colocar a coisa entre gostar e não gostar. Não coloco as coisas nesses termos não. Eu me candidatei por uma causa, por uma razão. Eu apresentei pretensões durante a minha campanha, e propostas que eu quero concretizá-las aqui. Então mais do que gostar ou não gostar, eu acho que alguém com o meu perfil, não necessariamente eu, mas alguém com meu perfil era necessário.
Folha/UOL: A essa altura da sua carreira como deputado, o sr. diria que quatro anos serão suficientes, o sr. acha que, se for necessário, gostaria de ficar mais um ou mais períodos para fazer alguma coisa nessa área?
Jean Wyllys: Não. Não sei dizer. Eu não gosto de fazer futurologia. Eu gosto de fazer bem esse mandato. Eu fui eleito graças à conjunção dos astros. Graças à nominata do meu partido que permitiu que dois deputados entrassem. Um que foi super bem votado, que foi o deputado Chico Alencar [do PSOL-RJ] e outro que fui eu, que fui o segundo mais votado [do PSOL-RJ], que fiz uma campanha invisível, uma campanha sem recursos, como são a maioria das campanhas de esquerda nesse Brasil, que não contam com financiamento público, que não têm... Ainda mais eu que não tinha mandato, portanto... Mesmo com essa campanha invisível consegui ser o segundo mais votado, graças a essa conjunção dos astros, eu quero fazer o melhor mandato possível. E fazer o melhor mandato possível é servir bem à população que me elegeu, é tentar concretizar as minhas pretensões e propostas de campanha. Então nesse sentido, mais que gostar ou não gostar de ser deputado, eu acho que eu sou necessário na Câmara dos Deputados. Eu acho que alguém ali, homossexual assumido como eu, que tem uma relação orgulhosa com a minha identidade sexual, com a minha identidade de gênero, com a minha orientação, e que estou habilitado para promover um debate, para elevar o nível do debate em relação às políticas LGBTs, eu acho que uma pessoa assim é necessária. E não precisa ser necessariamente eu. Eu só estou dizendo que alguém com esse perfil é necessário. A política de direitos humanos é muito rebaixada e, em especial, dentro da política de direitos humanos, a política LGBT é muito rebaixada. É considerada como uma baixa política. Quase sempre alvo de sensacionalismo, quase sempre alvo de histrionismo e de desrespeito por parte da imprensa. Então eu acho que promover um debate de qualidade que traga essa discussão para um nível mais lato é por demais importante.
Folha/UOL: Fernando Henrique, Lula e agora Dilma. De maneira bem breve, o sr. poderia falar alguma coisa sobre cada um desses três presidentes? Gosta, não gosta... Se foram bons presidentes ou maus presidentes?
Jean Wyllys: Fernando Henrique Cardoso fez a minha cabeça como sociólogo assim em algum momento. Por exemplo, eu sou professor de cultura brasileira e o trabalho que o Fernando Henrique fez com o Florestan Fernandes revelando que o Brasil não era uma democracia racial foi fundamental para minha formação intelectual e minha formação como sujeito. Eu respeito e admiro Fernando Henrique como intelectual. Como presidente, não gostei da gestão. Embora reconheça que ele tem o mérito importantíssimo que foi a estabilidade da moeda e da economia, que serviu de plataforma para o governo Lula, que todos eles, que você citou, é o que mais me inspira. É com quem eu mais tenho identificação. Porque Lula tem uma história de vida muito parecida com a minha. Veio do Nordeste, eu da Bahia, ele de Pernambuco, filhos de uma mãe que teve que ralar muito para criar a gente. Eu que estudei em escola pública, que tive que trabalhar aos dez anos de idade, tenho uma identificação com esse homem que venceu a subalternidade, a pobreza e se tornou presidente do Brasil. E foi, sem sobra de dúvidas, com todas as concessões que ele fez ao capital financeiro, com todas as concessões que ele fez aos poderes, à elite, para usar um termo que ele gosta de dizer, apesar de todas as concessões que ele fez às elites econômicas, foi o melhor dos nossos presidentes.
Folha/UOL: E Dilma?
Jean Wyllys: [Sobre] Dilma não tenho uma avaliação feita ainda. Eu acho que a presidenta Dilma, eu tinha muitas expectativas em relação... Eu tinha muitas expectativas em relação a esse primeiro ano do mandato da presidenta Dilma. E ela ficou muito abaixo dessas expectativas sobretudo no que diz respeito a algo que ela disse lá quando ela foi levar a mensagem ao Congresso Nacional...
Folha/UOL: Por quê?
Jean Wyllys: Ela disse que o governo dela seria pautado pela defesa intransigente dos direitos humanos. Não vi nesse primeiro ano. Tudo bem, é um primeiro ano. Eu não vi essa defesa intransigente, muito pelo contrário. Então eu não tenho ainda uma avaliação sobre a presidenta.
Folha/UOL: Por quê? O sr. teve algum contra exemplo nesse caso?
Jean Wyllys: Tenho. Por exemplo, a própria suspensão do projeto Escola sem Homofobia por parte da presidenta Dilma, inclusive no momento da suspensão, ela deu uma declaração pública, ela disse que o governo não serviria à propaganda a opção sexual nenhuma. Isso para mim revelou um profundo desconhecimento da presidenta dessa demanda histórica do movimento LGBT, da ideia de que nós não optamos pela nossa orientação sexual, não é uma questão de opção...
Folha/UOL: O Escola sem Homofobia é aquele que foi mencionado muitas vezes na mídia como 'kit homossexual', 'kit gay', alguma coisa assim. Era isso?
Jean Wyllys: É. O 'kit gay' foi uma expressão cunhada pelo deputado Jair Bolsonaro [do PP-RJ], que é um opositor da dignidade, não só da cidadania, mas da própria dignidade homossexual. Aliás, o deputado Jair Bolsonaro não é só inimigo da comunidade homossexual. O deputado Jair Bolsonaro é a favor da ditadura militar, por exemplo, é contra a instalação da comissão da verdade, já propôs que o Fernando Henrique Cardoso fosse metralhado... Enfim, é dessa pessoa que nós estamos falando. Foi essa pessoa que cunhou o termo 'ki gay', que parte, setores da mídia hegemônica assimilaram. Parte dessa mídia assimilou esse termo. Mas eu não gosto desse termo. Porque não se trata de um 'kit gay' se trata de um projeto, de uma política pública contra o bulling homofóbico nas escolas.
Folha/UOL: O sr. acha que a presidente Dilma aí fraquejou?
Jean Wyllys: Houve um contexto para esse fraquejamento. O momento em que ela suspendeu o projeto Escola sem Homofobia foi exatamente o momento em que o então ministro da Casa Civil, o Palocci [Antonio Palocci], estava sendo acusado de enriquecimento ilícito. E houve uma ameaça por parte dos parlamentares dessa bancada [contrários ao projeto] de convocar o ministro para se explicar no Congresso Nacional se ela [Dilma] não suspendesse o projeto Escola sem Homofobia. Tem a famosa frase do deputado Anthony Garontinho [dp PR-RJ] do Rio de Janeiro que disse que eles tinham na mão um diamante. Que o Palocci representava um diamante para negociar com o governo o que eles queriam.
Folha/UOL: O sr. ganhou notoriedade participando do programa "Big Brother" em 2005. Passados alguns anos essa sua participação ainda é presente na sua vida, as pessoas ainda o abordam muito por causa disso, fazem perguntas? E que tipo de avaliação o sr. faz desse programa que continua no ar, é longevo, está aí até hoje?
Jean Wyllys: Olha [risos], o programa está presente na minha vida porque eu venci o programa e eu tenho muito orgulho de ter feito o programa. Eu tenho muito orgulho da maneira como eu, digamos assim, transformei, a minha presença naquele programa transformou de alguma maneira a relação da audiência com ele. Tenho muito orgulho disso. Hoje em dia as pessoas não me param por causa do programa, porque essa exposição como político, como deputado, acabou suplantando de alguma maneira a participação. Mas eu tenho muito orgulho de ter feito.
Acho que o programa "Big Brother" tem que ser encarado como uma partida de futebol.
Folha/UOL: Como assim?
Jean Wyllys: É uma disputa pública, uma gincana de pessoas por um prêmio, transmitida pela televisão, como uma partida de futebol. É tão edificante quanto uma partida de futebol. Mobiliza tantas paixões quanto uma partida de futebol. Talvez movimente menos dinheiro e menos interesses do que uma partida de futebol. Mas eu preferia encarar dessa maneira. É entretenimento, como é o futebol. Porque, como diz o Chico Buarque, a gente também vai se divertindo, porque sem diversão ninguém segura esse rojão. Ainda mais uma população como a nossa. Grande parte dela, a maior parte dela só tem acesso a entretenimento através dos meios de comunicação de massa, da televisão. Porque o teatro custa caro nesse país. Porque ópera custa caro nesse país. Mesmo as artes vivas, o circo... Se a gente for pensar o Cirque du Soleil, não é todo mundo que tem acesso a isso. Então as pessoas não são porcos para viverem só de comida. E se a gente vive num Estado em que a diversão das pessoas só acontece através daquilo que a televisão oferece, que pelo menos tenha isso.
Folha/UOL: Deputado Jean Wyllys, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.
Jean Wyllys: Muito obrigado.

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