Operação Pecado Capital: Depoimentos esclarecem esquema

Ricardo Araújo - reporter

As sete primeiras das 92 testemunhas de acusação e defesa dos acusados de desvio de recursos e participação no esquema de obtenção de vantagens ilícitas no Instituto de Pesos e Medidas do Rio Grande do Norte (Ipem/RN), foram ouvidas ontem à tarde na Justiça Federal. As testemunhas prestaram esclarecimentos ao juiz  Hallison Rêgo Bezerra, em substituição na 2ª Vara Federal, e ao procurador do Ministério Público Federal, Rodrigo Teles, na audiência de instrução que durou cerca de seis horas. O principal acusado de crimes de peculato e lavagem de dinheiro, o ex-diretor do Instituto, Rychardson de Macedo Bernardo, exerceu sua profissão de advogado durante a audiência, sendo ele o próprio defensor.

 Os indícios de fraudes praticados pelo então diretor do Ipem/RN entre 2007 e 2010, Rychardson de Macedo Bernardo, foram detalhados pela servidora de carreira do Ipem/RN, Maria do Socorro Freitas, no depoimento mais longo do primeiro dia de oitivas. Ela esclareceu ao juiz e ao procurador federais como funcionava o Setor de Licitação do Instituto e como exercia três funções ao mesmo tempo enquanto Rychardson de Macedo respondia pela direção geral. Maria do Socorro disse que à época da gestão do acusado foi pregoeira, presidente da Comissão de Licitação e coordenadora do Setor de Fiscalização do órgão estadual.

 Além dela, o delegado Matias Laurentino confirmou que deu início às investigações quando era o titular da Delegacia Especializada em Crimes Conta a Ordem Tributária (Deicot), em março do ano passado, mas foi impedido de progredir com o trabalho menos de um mês depois em decorrência de sua exoneração assinada pelo ex-delegado-geral da Polícia Militar, Ronaldo Gomes. O delegado foi destituído de sua função à frente da Deicot no dia 4 de abril de 2011. Sem ter tempo de prosseguir com as investigações e oitivas de testemunhas. O motivo de sua exoneração nunca foi esclarecido.

 A terceira depoente foi Mayra Gomes M. Galvão, chefe do Setor de Protocolo do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Num depoimento que durou menos de 20 minutos, Mayra esclareceu ao juiz e ao procurador que identificou um ofício falso encaminhado pelo Ipem/RN ao então conselheiro Alcimar Torquato.

 No documento, conforme esclareceu a servidora do TCE em depoimento ao Ministério Público Estadual (MPE) ainda em 2011 e ratificado ontem diante do juiz, constava uma assinatura falsa, numeração e datas incoerentes. Mayra Gomes percebeu que uma servidora foi identificada no ofício como funcionária de determinada repartição do Tribunal enquanto que na época do ofício viciado, ela ocupava um cargo em outro setor. No documento constavam informações relativas às despesas do Ipem/RN.  As outras quatro testemunhas que passaram a ser identificadas como declarantes, confirmaram que recebiam recursos em suas contas bancárias, mas não sabiam a origem.

Servidora detalha como ocorriam as licitações

No depoimento mais longo na primeira audiência de instrução, a testemunha de acusação Maria do Socorro Freitas, servidora de carreira do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem/RN) há 16 anos, detalhou como ocorriam as licitações e contratações de empresas à época da gestão de Rychardson de Macedo Bernardo. "A maioria das licitações era feita por carta convite e todos os processos eram feitos dentro da lei", esclareceu a servidora. Num depoimento que, segundo o próprio procurador do Ministério Público Federal, Rodrigo Teles, foi confuso, Maria do Socorro caiu em contradição em determinados momentos e chegou a ser advertida pelo juiz que poderia sair presa daquela audiência, caso não falasse a verdade.

 Ao juiz, Maria do Socorro Freitas afirmou que acumulou os cargos de pregoeira, chefe do Setor de Licitações e coordenadora do Setor de Fiscalização enquanto o principal acusado de desviar recursos do Ipem/RN, Rychardson de Macedo Bernardo, ocupava o cargo de diretor geral do órgão. Questionada a respeito das assinaturas nos processos, a servidora destacou que desconhecia a falta delas nos procedimentos que eram autorizados pelo ex-diretor. "Todos os processos eram protocolados, adjudicados e homologados", disse Maria do Socorro Freitas ao procurador do Ministério Público Federal, Rodrigo Teles.

 Sobre a destinação final dos processos, porém, ela ressaltou que desconhecia para onde as pastas eram encaminhadas. "Acredito que iam todos para o setor financeiro", limitou-se a dizer. Ao longo de quase duas horas, a servidora demonstrou nervosismo e antes de responder alguns questionamentos olhava para o então assessor jurídico do Ipem/RN e réu da Operação Pecado Capital, Daniel Vale Bezerra.  Ela confirmou que todos os processos dos setores dos quais era responsável e de que necessitavam de análise jurídica, eram encaminhados a Daniel. "Eu me refiro ao Daniel como assessoria jurídica do Ipem", afirmou ao juiz.

 Sobre os processos licitatórios para a escolha de um posto de gasolina para fornecer combustíveis ao Instituto, Maria do Socorro confirmou que lembrava de alguns deles. Em contrapartida, não recordava quem eram os concorrentes. Uma das suspeições do MPE é de que Rychardson de Macedo  contratava o Auto Posto Júnior II, no bairro Pitimbu, de forma ilícita.  Além do contrato assinado com o posto, a servidora disse desconhecer de que forma ocorriam as dispensas de licitações e de que maneira a empresa FF Empreendimentos Ltda, uma prstadora de serviços com terceização de mão de obra, foi contratada.

 Ela disse que à época de Rychardson, muitas das licitações não passavam pela Comissão. O procurador Rodrigo Teles chegou a comentar que durante as investigações, "o Setor de Licitação do Ipem/RN estava um caos". Alguns processos de contratação de empresas terceirizadas sumiram do Instituto. Além disso, a servidora confirmou que não sabia por onde a prestação dos serviços terceirizados era paga. "A gente não tem acesso às folhas de pagamento dos terceirizados, somente dos servidores de carreira", alegou Socorro Freitas. Ela disse que existiam 38 servidores de carreira e cerca de 70 funcionários terceirizados trabalhando no Instituto enquanto o réu era diretor.

 Em determinado momento do depoimento, Maria do Socorro Freitas confirmou que o deputado estadual Gilson Moura e seu irmão, Francisco Bento de Moura Júnior, foram vistos pelo menos duas vezes saindo da sala do ex-diretor Rychardson de Macedo. Ela negou ter conhecimento de que a empresa FF Empreendimento Ltda pertence ao réu Aécio Aluízio Fernandes de Faria. E sobre as  empresas de Rychardson só sabia por ouvir comentários nos corredores do órgão.

Rychardson atua como advogado

 Atuando como advogado, Rychardson de Macedo Bernardo fez pelo menos dez perguntas à servidora Maria do Socorro Freitas. A maioria dos questionamentos, porém, levavam à respostas positivas acerca da administração do então diretor-geral do Ipem/RN, o próprio Rychardson. Ele indagou à funcionária pública como funcionava o processo de repasse de recursos do Inmetro ao Ipem/RN.

 "Tudo era feito mediante reunião de planejamento e pactuação de metas", respondeu Maria do Socorro ao réu/advogado que atua em defesa própria. Foi questionado, ainda, quanto o Instituto arrecadava mensalmente entre 2007 e 2010. A servidora disse que a arrecadação do Setor de Metrologia girava entre R$ 300 e R$ 400 mil/mensais. Esta seria, porém, apenas uma das fontes de arrecadação do Ipem/RN. Ela não soube mensurar, entretanto, quanto era arrecadado com a aplicação das multas e produtos reprovados durante as fiscalizações.

 Em outro momento, Rychardson de Macedo solicitou que a testemunha de acusação explicasse como era o processo de fiscalização antes e durante a permanência do acusado como diretor do órgão. "A fiscalização cresceu em 2008 de 98% para 126% no segundo ano da gestão de Rychardson", detalhou Maria do Socorro. Ela confirmou, ainda, que o coordenador financeiro do Ipem/RN à época, José Tavares, não cumpria expediente nem ordenava o pagamento das despesas do órgão pois supostamente não sabia operacionalizar o sistema de informática.

 Sobre a contratação de um posto de gasolina para fornecer combustíveis ao órgão, ela explicou que era necessário pois a central de abastecimento do Governo do Estado, no Centro Administrativo, só abastece veículos a partir de uma determinada data de fabricação. Além disso, a quantidade de litros fornecida pelo Estado não era suficiente para atender à demanda das fiscalizações.

 "As mudanças de Rychardson não trouxeram prejuízos ao Ipem na parte da fiscalização. Não deixamos de fiscalizar e tudo era num trabalho de equipe", ressaltou a servidora. Entre perguntas e respostas, Rychardson   tentava mostrar ao juiz federal e ao procurador do Ministério Público Federal, o lado positivo da sua gestão no Ipem/RN.

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