No STF, Genoino tem seus direitos violados como paciente; Jefferson, não. Supremo contesta

Por Conceição Lemes
No Vi o Mundo

Prisão domiciliar tanto para Genoino quanto para Jefferson. Questão de direito e de humanidade
por Conceição Lemes
O artigo 5° da Constituição do Brasil de 1988 diz:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
O seu parágrafo X especifica:
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
O artigo XII da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948, assevera:
Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
O Código Penal Brasileiro, 1941, em relação à violação do Segredo Profissional, artigo 154, estabelece:
Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: sujeito a Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
 No mesmo sentido, a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, do Ministério da Saúde, 2011, em seu artigo 5º, determina:
Toda pessoa deve ter seus valores, cultura e direitos respeitados na relação com os serviços de saúde, garantindo-lhe:
II – o sigilo e a confidencialidade de todas as informações pessoais, mesmo após a morte, salvo nos casos de risco à saúde pública;
O artigo 73 do novo Código de Ética Médica 102, do Conselho Federal de Medicina (CFM), veda ao médico:
Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Apesar de toda a legislação, códigos e diretrizes, seduzidos pela mídia, médicos, especialmente de famosos, de vez em quando quebram em off  o sigilo profissional e atropelam direitos de seus pacientes, violando a Constituição e o Código de Ética Médica.
Em 32 anos como repórter de saúde e medicina eu vi isso acontecer várias vezes. Algumas emblemáticas.
Uma delas, com o ex-governador de São Paulo, Mário Covas, morto em 2001 por um câncer de bexiga.
Diferentemente do que fez o ex-presidente Tancredo Neves, falecido em 1985, Covas exigiu que a população fosse informada claramente sobre a sua doença.  Porém, provavelmente alguém da equipe médica que o tratava no Instituto do Coração (Incor-SP) passou da conta. Através da imprensa e não pelos seus médicos, ele descobriu que tinha metástase na meninge. Isso nunca poderia ter acontecido. Ele deveria sido o primeiro a ser  informado.
Embora Dilma tivesse sido bastante transparente em relação aos seus diagnósticos e tratamentos, inclusive a respeito de seu linfoma, em 2009, alguém do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulose prestou a fazer o trabalho sujo. O “serviço” pode ter sido feito até por um médico para cair nas graças do jornalista e, depois, no futuro, ser recompensado com espaço na publicação.
Nas três últimas semanas, o alvo tem sido José Genoino, ex-presidente do PT e um dos réus da Ação Penal 470, o chamado mensalão. Os seus direitos enquanto paciente estão sendo acintosamente violados. Nem o Champinha, que,em novembro de 2003, matou um casal de namorados em São Paulo, teve seus dados médicos tão expostos na mídia.
Condenado a 6 anos e 11 meses em regime semiaberto, Genoino, em 15 de novembro, apresentou-se em São Paulo  para ser  preso,  sendo transferido para Brasília, no dia seguinte.
Com histórico de hipertensão arterial, submetido à cirurgia para tratar dissecção da aorta (julho de 2013) e acidente vascular cerebral (agosto de 2013), Genoino passou mal durante o voo. A sua pressão arterial subiu, teve palpitações e dores no peito. Isso levou-o a pedir prisão domiciliar.
Em 21 de novembro, voltou a passar mal e foi levado do Complexo Penitenciário da Papuda para o Instituto de Cardiologia do Distrito Federal, onde ficou internado por três dias.
Desde a manhã de 24 novembro, Genoino está em prisão domiciliar na casa de uma filha residente em Brasília. Aí, aguarda a decisão definitiva do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, sobre o pedido de prisão domiciliar.
Durante esse período, Genoino passou por três juntas médicas oficiais.
A primeira, por solicitação da Vara de Execuções Penais, foi realizada em 19 de novembro por uma equipe de médicos legistas do Instituto de Medicina Legal da Polícia Civil do Distrito Federal.
A segunda, determinada pelo ministro Joaquim Barbosa, foi feita em 23 de novembro, por profissionais da Universidade de Brasília (UnB), quando ele já estava de alta hospitalar.
A terceira, em 25 de novembro, foi realizada por médicos do Serviço de Perícia Médica da Câmara dos Deputados.
Genoino teve conhecimento dos laudos das perícias da UnB e da Câmara dos Deputados pela mídia. Só depois teve acesso oficialmente a eles.
O da Câmara foi divulgado às 16h, em coletiva à imprensa. Genoino só foi recebê-lo às 19h.
O laudo da UnB foi vazado para a imprensa por um dos integrantes da junta médica ou, quase certamente, por baixo no próprio STF.
Em nenhuma das situações, Genoino foi consultado previamente se autorizava ou não a publicização deles.
– Nós não divulgamos laudo–, respondeu-me a assessoria de imprensa do STF quando, nessa terça-feira 10, perguntei pelo do ex-deputado Roberto Jefferson, delator do mensalão.
Condenado a 7 anos e 14 dias de reclusão em regime semiaberto,  Jefferson pediu para cumprir a pena em casa devido à fragilidade da sua saúde.
Por ordem do ministro Joaquim Barbosa, ele passou por perícia médica, realizada por especialistas do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
O laudo da perícia, segundo a assessoria de imprensa do STF, foi encaminhado a Barbosa no dia 5, quinta-feira. A primeira notícia sobre ele foi divulgada pela Globo News no domingo, 8. Informou que não foi encontrada “qualquer evidência” do câncer do qual ele se tratou após a retirada de um tumor no pâncreas em 2012.
Na busca que fiz  hoje, 11 de dezembro, nos grandes portais, inclusive dos jornalões, não encontrei nem sinal da íntegra do laudo de Jefferson, ao contrário dos de Genoino, exibidos exaustivamente pela mídia.
– Por que então o laudo do Genoino foi divulgado? – questionei a assessoria de imprensa do STF.
– Não fomos nós!
– Foram então os médicos?
– Não sei, os jornalistas conseguiram com alguém.
Todos os indícios,porém, apontam que o laudo de Genoino, feito pela junta médica UnB, vazou no próprio STF e não antes. Os carimbos de recebimento do documento sugerem isso.
Explico. No laudo da UnB, assim como nos demais de Genoino enviados ao ministro Joaquim Barbosa, existem vários carimbos de protocolo de recebimento. Portanto, assim que chegou ao STF, ele foi protocolado. Se tivesse vazado anteriormente em outro  lugar, por exemplo, no hospital onde foi feito, o laudo não teria o protocolo de recebimento do Supremo.
Não bastasse isso, a imprensa sempre teve acesso aos laudos  antes dos advogados do acusado.
“Não tem qualquer sentido essa divulgação à revelia, é tirado do paciente Genoino seu direito inalienável de decidir divulgar ou não seus dados de saúde”, critica o doutor Dirceu Greco. “Com tanta coisa acontecendo, essa questão pode parecer pequena, mas ela é muito importante. É por aí que começa o cerceamento do direito de cada um de nós à intimidade, sigilo e confidencialidade. ”
Dirceu Greco é professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro titular da Câmara Técnica de Bioética do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Ele prossegue: “É muito atual e apropriado este fragmento do texto No caminho com Maiakóvski, do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa: ‘[...] Na primeira noite eles se aproximam
 e roubam uma flor
 do nosso jardim.
 E não dizemos nada.
 Na segunda noite, já não se escondem;
 pisam as flores,
 matam nosso cão,
 e não dizemos nada.
 Até que um dia,
 o mais frágil deles
 entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, 
conhecendo nosso medo,
 arranca-nos a voz da garganta.
 E já não podemos dizer nada’”.
“Assim, no afã da visibilidade a qualquer preço, perdem a noção do que é apropriado e, pouco a pouco, vão solapando nossos direitos”, acrescenta Greco. “Felizmente, a patologia dele [doença cardíaca],  não é cercada de preconceito. Sem autorização do paciente, o médico não pode revelar a terceiros, a mídia incluída, nenhum diagnóstico, mesmo no caso de patologias simples, como por exemplo, unha encravada. Imagine se fosse HIV ou outra situação onde ainda existe grande preconceito?!”
Mais um jogo político de cartas marcadas, como aconteceu durante todo o julgamento do mensalão.
Até na doença, Genoino é tratado de forma ultrajante pela mídia,  pela direção da Câmara dos Deputados (manobrou a divulgação do laudo) e pelo STF. Também talvez   até por algum médico da junta da UnB. Além de ilegal, era desnecessária a íntegra dos laudos. Quanto a Roberto Jefferson, mídia, STF e equipe médica do Inca agiram adequadamente. Dois pesos e duas medidas.
Em tempo: eu, Conceição Lemes, defendo que seja concedida a prisão domiciliar tanto para Genoino quanto para Jefferson. Questão de direito e de humanidade.

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