O relatório "Ucrânia 2020"[1] foi publicado em 2010 pelo Center for Global Affairs (CGA).[2] O documento apresenta possíveis opções para o desenvolvimento político da Ucrânia. O professor Michael Oppenheimer (Center for Global Affairs, New York University), foi o criador do projeto.
Os eventos na Ucrânia parecem desenvolver-se hoje segundo, não um, mas todos os "três cenários" descritos no documento.
James Sherr (Russia and Eurasia Program, Chatham House) escreve no prefácio que o CGA participou dos projetos conduzidos pelo Departamento de Estado, Departamento da Defesa, Conselho de Inteligência Nacional, CIA, Institute for Peace, Brookings Institute, Council on Foreign Relations e pelo Conselheiro Científico do Presidente dos EUA. Praticamente todos os especialistas em Ucrânia conhecidos, dos EUA, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da Bélgica, da Polônia e de outros estados participaram do projeto do CGA... [mas nenhum representante da Rússia nem especialista em Rússia].
Não será surpresa que, algum dia, se os escritórios do Partido Batkivshchyna da Ucrânia[3] forem revistados, encontrem-se ali excertos desse manual de 'o que fazer', redigido pelos norte-americanos como se fosse algum "relatório".
Em 2010, há apenas poucos anos, os autores do Relatório conseguiram 'antever' que o Partido Svoboda [ex-Partido Nacional Socialista da Ucrânia;[4] é hoje o mais forte partido da direita na Ucrânia[5]] viria a liderar "protestos populares"; a renúncia do primeiro-ministro Nikolay Azarov e a ascensão de Arseniy Yatsenyuk [em 2009, criara a "Frente para a Mudança"]... Conforme se lê no Relatório, haveria ataques antissemitas contra Yatsenyuk por causa de sua nacionalidade, mas seria fácil descartá-los como "ridículos".
O cenário que o Relatório pinta prevê que o Partido Svoboda seria deixado de lado, ultrapassado pelos militantes do Trizub [o tridente: Deus, no céu e na terra], organização que reverencia a chamada "Organização dos Nacionalistas Ucranianos" liderada por Stepan Bandera[6]. No Relatório "Ucrânia-2020", toda essa gente aparece descrita como "elementos moderados".
Por tudo isso, conforme o Relatório 'prevê, logo se aprofundaria o processo de "ucranização", o que provocaria "elementos russos". O Relatório recomenda a privatização dos ativos estratégicos, portas abertas para investidores ocidentais, créditos assegurados pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, pondo fim aos "tabus soviéticos" contra a venda de terras a estrangeiros; e o envolvimento supervisionado da China, que é apresentada como inimigo da União Europeia e concorrente da Rússia, o que levaria à expulsão da Frota do Mar Negro do porto de Sebastopol; e mudança na Constituição da Ucrânia, para converter o país em república parlamentarista ou presidencial-parlamentarista. (Mas o Relatório não explica quem votaria para eleger Yatsenyuk nas eleições presidenciais...).
Cenário Um: Fragmentação do Autoritarismo Fracassado. Para os autores do Relatório, essa opção é desvantajosa para os EUA e para a Federação Russa.
Cenário Dois: Consenso Nacional Conduzindo a Reformas. É a melhor opção, do ponto de vista de Washington e da União Europeia.
Cenário Três: Autoritarismo Estratégico. Aqui, o Relatório 'prevê um desenvolvimento de eventos pelo qual o presidente Yanukovych mantém o poder. É uma espécie de 'Plano B'. Nesse cenário, o presidente Yanukovych terá de curvar-se, para manter a legitimidade. Terá de fazer todos os tipos de concessões a "investidores estrangeiros", implementar reformas constitucionais e estruturais, aceitar empréstimos que lhe ofereçam para suavemente empurrar a Rússia para bem longe da esfera de seus interesses estratégicos.
As forças externas já criaram o caos na Ucrânia, mas não se sabe se conseguirão controlá-lo. Yanukovych já foi avisado de que pode ter o destino de Milosevic na Sérvia ou de Gaddafi na Líbia. A "comunidade internacional" presunçosamente acredita que os nacionalistas ucranianos hoje inflados serão, na sequência, facilmente domesticáveis.
Haverá dinheiro para os democratas pró-ocidente, sob a condição de que implementem as "reformas" acima mencionadas (questão sobre a qual a oposição "confiável" já está conversando. E, sobre isso, Yatsenyuk lembrou recentemente o Plano Marshall).
O Relatório considera a história da Aliança do Atlântico Norte e várias vezes menciona o Plano Marshall, para o caso da Ucrânia, que seria como "duas metades da mesma noz".
Mas depois da 2ª Guerra Mundial, os EUA não garantiram à Europa arruinada um empréstimo gratuito: houve acordos de natureza semicolonial que incluíram instalar ali "armas secretas da OTAN". E não será o Pravy Sektor (aliança dos grupos de mais extrema direita), mas essas estruturas da OTAN, que desempenharão a função de "mão de ferro" que levará a Ucrânia à integração com a Europa e os EUA.
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Washington está diante do risco de novos fracassos de diplomacia, que ferem a imagem do país no exterior. É hora de perguntar em que foram consumidos $5 bilhões de dólares dos contribuintes norte-americanos.
A quantia é a que informaram a secretária-assistente de Estado Victoria Nuland[7] e o vice-secretário de Estado do Gabinete de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, em audiência no Senado, em janeiro, ao falarem dos sucessores ucranianos dos que apoiavam as ideias de Stepan Bandera e Roman Shukhevych.
Os mesmos ditos moderados do Trezub nomeados em honra de Stepan Bandera estiveram sob constante supervisão pelos centro euroatlânticos.
Abra ao aças qualquer página do jornal Ukrainian Weekly[8] (editado nos EUA). Ali se veem pulular as ideias dos colaboracionistas ucranianos. O jornal mantém escritórios em Kiev. Se se lê, veem-se muitas coisas interessantes sobre os "compromissos" passados dos que se 'manifestam' nas ruas da Maidan Nezalezhnosti [Praça Independência] e na Rua Grushevsky.
Desde que Victor Yanukovych foi eleito presidente da Ucrânia, o jornal Ukrainian Weekly só noticia e destaca as atividades do Pravy Sektor, histórias sobre tortura de prisioneiros na Ucrânia contemporânea; clama por apoio aos "patriotas ucranianos" que destroem monumentos da era soviética. Oferece também farta informação elogiosa sobre Dmitro Yarosh, líder militante da extrema direita, do Pravy Sektor, e sobre o coordenador do Pravy Sektor (apelido, Pilipas) Andrei Tarasenko, que anda contando histórias sobre treinamento de militantes (jovens que nunca prestaram serviço militar, agora ensinados a 'virar homem', aprendendo a usar punhais e armas de ar comprimido). O mesmo jornal oferece também informação sobre outros "bravos nacionalistas" e modos para conter "a intervenção russa". E o jornal ainda traz recomendações de "revolucionários sérvios", que contam como derrubaram "ditadores".
Um pouco antes, as edições de Ukrainian Weekly viviam cheias de histórias de fazer gelar o sangue, sobre intrigas entre comunistas e Moskali, termo ucraniano depreciativo para "russos", e sobre o Golodomor – o genocídio organizado por russos, para exterminar a população ucraniana.
É uma vergonha que, sem contar com informação de fonte independente, a diplomacia norte-americana sirva-se desse tipo de fonte para, a partir disso, construir políticas para a Ucrânia.
A arrogância da maioria dos diplomatas e congressistas norte-americanos não surpreende mais ninguém. Em janeiro, durante audiência para discutir a Ucrânia, até alguém já tão entrado em anos como Zbigniew Brzezinski ainda lá estava a dar 'aulas' aos senadores, 'ensinando' que, antes de os russos aparecerem os ucranianos já acalentavam o sonho de unir-se à Europa; e por isso que o sonho dos ucranianos tem de ser apoiado. Depois de esse sonho realizado, lança-se uma 'reação Dominó', e a multinacional Rússia seguirá exatamente a mesma boa trilha que a levará a se tornar membro da OTAN!
Os dois filhos de Zbigniew Brzezinski mantêm-se muito próximos da OTAN. Ian Brzezinski é membro Senior Fellow do International Security Program e faz parte do Grupo de Conselheiros Estratégicos do Conselho do Atlântico. E Mark Brzezinski, advogado, trabalhou para o Conselho de Segurança Nacional do presidente Clinton, como especialista em Rússia e Sudeste Europeu; foi sócio de McGuire Woods LLP; e é hoje embaixador dos EUA na Suécia. Muito ativo na venda de aviões militares.
Por que Victoria Nuland – que se tornou presença obrigatória em todas as páginas e blogs humorísticos na Ucrânia e na Rússia, por ter andado distribuindo coelhinhos e sanduíches na Praça Maidan – apareceu em Kiev outra vez, na véspera do início dos Jogos de Inverno de Sochi, e pôs-se a dizer que os que estivessem insatisfeitos com "o regime Yanukovych" ou voltassem à ideia da integração com a Europa ou tomassem "o caminho da guerra"?
É onde a mentalidade de clã – velho carrasco da política externa dos EUA – entra em cena.
O clã ao qual pertence Victoria Nuland não é menos influente que o de Brzezinski. O marido, Robert Kagan, é conhecido intelectual dedicado a temas de política externa, analista e colunista de grandes jornais. Sente-se muito a vontade entre os 'especialistas' ativos nos mais importantes think-tanks norte-americanos e tem acesso aos mais influentes veículos da imprensa-empresa norte-americana. Kagan muito se empenhou na operação militar na Líbia. Trabalhou muito, também, na oposição a Obama-candidato, como assessor de Mitt Romney. Foi quem instruiu Romney a declarar que a Rússia seria o inimigo geopolítico número 1 dos EUA. Seu irmão, Fred Kagan, é autor de inúmeros livros e artigos publicados em todo o mundo.
A carreira de Victoria Nuland sempre seguiu de perto o colapso da União Soviética: ela estava, então, em Moscou. E testemunhou as "mudanças tectônicas" da política externa dos EUA a partir daquele momento. Foi ela que mobilizou todas as suas habilidades para encontrar pretextos para a intervenção no Afeganistão, invocando o artigo 5º do Tratado de Washington, em 2001, quando os EUA invadiram o Afeganistão. Depois, foi representante dos EUA no Conselho do Atlântico Norte. A experiência dela na OTAN está sendo mobilizada novamente agora – o coração a está arrastando de volta para o Leste europeu...
[3] É o partido de Yulia Tymoshenko (ver http://www.tymoshenko.ua/en/article/yulia_tymoshenko_15_06_2013_03 [NTs].
[6] Em 2011, os partidos comunistas ucranianos pediram ao Parlamento (Rada) o banimento de todas essas organizações de extrema direita, denunciadas como organizações nazistas (http://ukraine-english-news.com/forum/index.php?topic=9283.0).
[7] http://www.strategic-culture.org/news/2014/02/05/us-assistant-secretary-nuland-visits-ukraine-some-thoughts-share-i.html
[8] http://www.ukrweekly.com/ (ing.)
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