O poder da alteridade



Eu tenho uma hipótese e vou falar sobre ela aqui.
Comecei minha graduação em jornalismo em 1996, aos dezesseis anos de idade. Pouco depois, em setembro de 1996, assumi a religião evangélica como minha fé pessoal.
Aquilo marcou minha relação com o curso e os colegas. Deixei de me envolver com atividades de extensão, de viajar para eventos. Eu me afastava das tribos da UFRN, se bebiam ou se usavam drogas, em nome de uma santidade. Fosse hoje, eu seria um defensor da ideias de Silas Malafaia ou Marco Feliciano.
Quando eu olho os evangélicos para quem dou aula na universidade hoje em dia, mais de vinte anos depois, percebo que seu comportamento é bem diferente. Me impressiona, por exemplo, que ainda que haja distintivos religiosos em seu ethos (sobre drogas e álcool, por exemplo), eles são bem mais acolhedores e abertos que eram os cristãos de meu tempo de graduação.  Mesmo em questões caras aos evangélicos conservadores, como a homossexualidade, os jovens cristãos com quem convivo em sala de aula têm posturas distintas.
Tenho uma hipótese do porquê isso acontece.
Em meus dias de graduação, praticamente não havia negros, a quase absoluta totalidade dos alunos era de Natal e do RN, não convivíamos com muitos alunos de periferia. Pouca experiência com alteridade.
A realidade das universidades públicas desde os anos 2000 é bem diferente: muito mais diversidade, com o SISU possibilitando que tenhamos gente de diversas partes do país e das periferias.  Os jovens que vêm de seus guetos religiosos em que não têm oportunidade de conhecer os totalmente outros de sua realidade encontram nos seus colegas as primeiras experiências com a alteridade.
É como uma moça que se formou alguns anos atrás e contou para mim que, mesmo com o irmão sabendo que tinha doença celíaca desde os quatro anos de idade, ela só descobriu no ano que fez cursinho para entrar na Universidade. Ela havia sido protegida do contato com alimentos com glúten durante toda a vida na infância e início da adolescência, por causa da doença do irmão. Somente quando começou a se alimentar fora da redoma pôde saber da doença que tinha.
Penso que essa é uma boa analogia para todo jovem, especialmente os religiosos, que chegam à Universidade com dezesseis ou dezessete anos nos dias de hoje.  Diferente do que ocorria vinte anos atrás, por exemplo, os movimentos sociais, políticos e as pautas identitárias estão fortemente presentes nos corredores, nas conversas de sala de aula, no dia a dia. No dia a dia, o menino que viveu até ali no armário encontra conforto para quebrar seus limites e deixar o armário. As meninas aprendem sobre a luta feminista e podem encampá-la de maneira fértil. Nesse sentido, a diversidade trouxe à Universidade uma polifonia que faltava nos anos 90.
É nessa polifonia que chegam os cristãos. Aí eles descobrem que, diferente do que diziam seus pastores, aquela menina trans, aquele amigo gay, o cara que fuma maconha, são gente boa não uns demônios do inferno. E eles encontram discursos que também fazem sentido e colocam os discursos para dialogar com sua fé. E se a fé se mantém eles se permitem, diante da alteridade, mudarem a si mesmos e aquilo em que creem para que haja Jesus mas também haja a relação com cada um e cada uma das vozes dessa polifonia, de tão complexidade diversidade.
Esta semana começa mais um semestre letivo, um novo ano, na UFRN. Que vem com pluralidade, diversidade, polifonia. E muito amor.


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